Lídia Maria de Melo
UMA PROSA POÉTICA
Flávio
Viegas Amoreira,
Lídia Maria de Melo e Raul Christiano. Escritores.
Há
um provérbio português que diz: “de
médico, poeta e louco, todos nós temos um pouco”. E não é que um dia desses tornamo-nos
personagens concretos desse dito popular? O fato se deu a partir de um
questionamento sobre a maneira como nós, escritores, nos apresentamos em
pequenas biografias, inseridas em artigos ou em anúncios de eventos culturais. Embora
leve e civilizada, a polêmica se instalou. Por que alguns de nós se descrevem
como poetas e escritores? Não seria o poeta um escritor?
Após um pingue-pongue de reflexões, concordamos com a abrangência do
substantivo escritor, que define quem usa palavras, com técnica e estilo
diverso, para comunicar suas ideias. A atividade da escrita abarca aqueles que
se dedicam a um, ou mais, dos variados gêneros definidos pela Teoria da
Literatura: romance, ficcional ou
não; biografia; novela; conto; poema; canção; crônica; drama teatral; ensaio.
Chegamos ao entendimento de que, para melhor explicar seu ofício, cabe a cada
um apontar o tipo de escritor que é.
O
poeta é uma das variantes do escritor. É uma pessoa que cria poesia e pode se
descrever como tal, ou assim ser descrito por outras pessoas. O poeta escreve
versos, que, unidos, se tornam poemas. A poesia, no entanto, vai muito além dos
atributos reunidos em estrofes. Pode estar presente na prosa, nas artes visuais,
em uma paisagem e até no comportamento humano.
Como
exemplo de escritor, em conformidade com os gêneros literários, nos vêm à mente
Frei Betto, autor de 73 livros. Um dos mais aclamados é Batismo de Sangue, que este ano completa 40 anos. A obra narra os horrores
cometidos durante a ditadura militar no
Brasil (1964-1985). Trata-se de um documento histórico sobre as circunstâncias do
assassinato do ex-deputado federal, escritor e ativista político Carlos
Marighella, em 1969, em São Paulo. Embora seja uma narrativa em prosa, expõe um
estilo poético.
Já
o doutor Drauzio Varella, por sua sensatez, desperta-nos admiração. Mesmo tendo
publicado mais de uma dezena de livros, define-se como um médico que escreve, mas
não como um escritor.
Para
Roland Barthes, intelectual francês que atuou e produziu em diversas áreas, existe
uma grande distinção entre “escritores e escrevinhadores”. Os primeiros são os que
lançam mão de conteúdos revolucionários. No outro grupo, ele inclui os que
simplesmente contam uma história.
Entre
Guimarães Rosa, Jorge Amado e até Paulo Coelho, pululam galáxias. Todos são
escritores, mas em patamares díspares. Em geral, escritor é o prosador, o
memorialista, o ensaísta. No sentido mais profundo, escritor é aquele que inova
a linguagem, rompe paradigmas do imaginário, ressignifica idiomas e reinventa
universos.
E
o poeta? Esse é o cultivador de um gênero destacado pela subversão de sentidos,
um arrebatador de signos, dotado de musicalidade intrínseca, senso
revolucionário de significados.
Nesse
caso, poesia é “curtição” da linguagem. Poesia é, como dizia Décio Pignatari,
aquilo que não está no gibi. Quando alguém se reconhece poeta precisa ter ciência
de ter ultrapassado muitos níveis de processamento da linguagem. O escritor
fabula, narra. O poeta experimenta, renomeia o mundo. Poeta se torna adjetivo,
nem precisa escrever. Federico Fellini era poeta filmando. Rudolf Nureyev, dançando.
E nós, testemunhas de um tempo doído e doido.
............................
P.S.: No artigo, não abordamos outros aspectos, como, por exemplo, o fato de haver pessoas que sequer sabem escrever, mas são poetas. Transmitem poesias oralmente. Escrevem com a alma e o coração. Na verdade, a escrita não se dá no desenho das letras. Ela ocorre, primeiro, no sentimento, na emoção, no pensamento. Os repentistas são um exemplo. A literatura deles é oral. Então, o escritor é o que trabalha a palavra na fala, no canto, no conto de histórias também. Tudo isso escrito no post scriptum me fez lembrar de Ignácio de Loyola Brandão no título de um de seus livros: "o beijo não vem da boca".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pelo comentário. Assim que for lido, será publicado.
Volte mais vezes. Se desejar resposta individual, deixe seu e-mail.
De todo modo, identifique-se, para facilitar o direcionamento da resposta.