quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Uma Prosa Poética: artigo escrito a seis mãos debate se há diferença entre ser poeta e ser escritor

Lídia Maria de Melo

No domingo, dia 20, o jornal A Tribuna, de Santos, versão impressa, publicou na coluna Tribuna Livre o artigo Uma Prosa Poética, assinado pelos escritores Lídia Maria de Melo (eu mesma😃), Flávio Viegas Amoreira e Raul Christiano. A ideia de escrever a seis mãos sobre o tema abordado surgiu a partir de uma postagem que fiz no Facebook no dia 27 de setembro próximo passado. Sem mais delongas, eis o texto a seguir, tal qual foi publicado no jornal onde trabalhei como repórter e editora durante 23 anos. 

 UMA PROSA POÉTICA

Flávio Viegas Amoreira, Lídia Maria de Melo e Raul Christiano. Escritores.

          Há um provérbio português que diz: “de médico, poeta e louco, todos nós temos um pouco”. E não é que um dia desses tornamo-nos personagens concretos desse dito popular? O fato se deu a partir de um questionamento sobre a maneira como nós, escritores, nos apresentamos em pequenas biografias, inseridas em artigos ou em anúncios de eventos culturais. Embora leve e civilizada, a polêmica se instalou. Por que alguns de nós se descrevem como poetas e escritores? Não seria o poeta um escritor?
          Após um pingue-pongue de reflexões, concordamos com a abrangência do substantivo escritor, que define quem usa palavras, com técnica e estilo diverso, para comunicar suas ideias. A atividade da escrita abarca aqueles que se dedicam a um, ou mais, dos variados gêneros definidos pela Teoria da Literatura: romance, ficcional ou não; biografia; novela; conto; poema; canção; crônica; drama teatral; ensaio. 
          Chegamos ao entendimento de que, para melhor explicar seu ofício, cabe a cada um apontar o tipo de escritor que é.  
           O poeta é uma das variantes do escritor. É uma pessoa que cria poesia e pode se descrever como tal, ou assim ser descrito por outras pessoas. O poeta escreve versos, que, unidos, se tornam poemas. A poesia, no entanto, vai muito além dos atributos reunidos em estrofes. Pode estar presente na prosa, nas artes visuais, em uma paisagem e até no comportamento humano.
          Como exemplo de escritor, em conformidade com os gêneros literários, nos vêm à mente Frei Betto, autor de 73 livros. Um dos mais aclamados é Batismo de Sangue, que este ano completa 40 anos. A obra narra os horrores cometidos durante  a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Trata-se de um documento histórico sobre as circunstâncias do assassinato do ex-deputado federal, escritor e ativista político Carlos Marighella, em 1969, em São Paulo. Embora seja uma narrativa em prosa, expõe um estilo poético.
          Já o doutor Drauzio Varella, por sua sensatez, desperta-nos admiração. Mesmo tendo publicado mais de uma dezena de livros, define-se como um médico que escreve, mas não como um escritor.
          Para Roland Barthes, intelectual francês que atuou e produziu em diversas áreas, existe uma grande distinção entre “escritores e escrevinhadores”. Os primeiros são os que lançam mão de conteúdos revolucionários. No outro grupo, ele inclui os que simplesmente contam uma história.
          Entre Guimarães Rosa, Jorge Amado e até Paulo Coelho, pululam galáxias. Todos são escritores, mas em patamares díspares. Em geral, escritor é o prosador, o memorialista, o ensaísta. No sentido mais profundo, escritor é aquele que inova a linguagem, rompe paradigmas do imaginário, ressignifica idiomas e reinventa universos.
          E o poeta? Esse é o cultivador de um gênero destacado pela subversão de sentidos, um arrebatador de signos, dotado de musicalidade intrínseca, senso revolucionário de significados.
          Nesse caso, poesia é “curtição” da linguagem. Poesia é, como dizia Décio Pignatari, aquilo que não está no gibi. Quando alguém se reconhece poeta precisa ter ciência de ter ultrapassado muitos níveis de processamento da linguagem. O escritor fabula, narra. O poeta experimenta, renomeia o mundo. Poeta se torna adjetivo, nem precisa escrever. Federico Fellini era poeta filmando. Rudolf Nureyev, dançando.
          E nós, testemunhas de um tempo doído e doido.
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P.S.:  No artigo, não abordamos outros aspectos, como, por exemplo, o fato de haver pessoas que sequer sabem escrever, mas são poetas. Transmitem poesias oralmente. Escrevem com a alma e o coração. Na verdade, a escrita não se dá no desenho das letras. Ela ocorre, primeiro, no sentimento, na emoção, no pensamento. Os repentistas são um exemplo. A literatura deles é oral. Então, o escritor é o que trabalha a palavra na fala, no canto, no conto de histórias também. Tudo isso escrito no post scriptum me fez lembrar de Ignácio de Loyola Brandão no título de um de seus livros: "o beijo não vem da boca".

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