sábado, 5 de junho de 2021

No Dia dio Meio Ambiente, descobri que a primavera de Cecília Meireles era a planta e não, a estação

Texto e fotos de Lídia Maria de Melo
















Hoje, fiz uma descoberta. É poética, mas relacionada à natureza. Pura coincidência, por ser Dia do Meio Ambiente.
Cecília Meireles escreveu cinco poemas intitulados Desenho.
Busquei por eles e nos livros que tenho dela não encontrei todos.
Porém, após muita insistência, achei o que desejava.
É justamente o composto por sete estrofes. Pouco conhecido, mas muito belo, para o meu gosto, ele se encerra com dois versos muito repetidos: "Levai-me aonde quiserdes! - Aprendi com as primaveras/ a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira".

Até agora, acreditava piamente que ela falava da estação.
Pois acabo de descobrir, por experiência propiciada por meu jardim de terraço de apartamento, que Cecília aprendeu com a planta denominada primavera.
Como em seu poema aparecem elementos bastante caseiros, creio que minha interpretação não está errada.
Ela cita, lado a lado, sua compleição, seus gostos frutíferos, animais peçonhentos, aves, plantas e predileções familiares.
Pois bem, mas o que me fez chegar a essa conclusão foi algo particular. Empírico.
Há alguns anos, minha mãe plantou uma primavera em nosso jardim suspenso. Entre tantas espécies menores, como orquídeas, avenca, roseira, violetas, antúrios, samambaias, renda portuguesa, a primavera vingou e se tornou uma árvore de pequeno porte.
Floriu várias vezes, mas um dia ficou feia. Seus espinhos se sobressaíam muito mais.
Depois do falecimento de minha mãe, em janeiro, decidi tirar a primavera de nosso jardim.
Cortei todos os galhos. Só não tive forças para arrancar o tronco de dentro da terra do vaso.
Até fotografei o  toco que restou bem preso
.
Como a terra era boa, plantei dois pés de alecrim ao redor do tronco seco.
Isso ocorreu em 13 de fevereiro.
Em pouco tempo, o tronco me surpreendeu, enquanto eu regava os alecrins.
Na foto datada de 4 de março, aparecem uns galhinhos com folhas bem viçosas.
No dia 12 de março, já era uma pequena árvore.
No dia 27 do mesmo mês, os galhos escalavam parede e vidraça do terraço.
Em 29 de maio, registrei o nascimento da primeira flor. 
Hoje, 5 de junho, a flor chegou ao ápice.
Então, ocorreu-me o insight. Cecília Meireles inspirou-se na planta de nome primavera, não, na estação, quando escreveu: "Aprendi com as primaveras/ a me deixar cortar e a voltar sempre inteira".
Quem me ensinou foi esta que tentei exterminar, mas vejo renascer. Viçosa!



Leia o poema Desenho, de Cecília Meireles

                                                 DESENHO

Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,
e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lagartixas me espiavam, entre tijolos e as trepadeiras,
e as teias de aranha nas minhas árvores me entrelaçavam.
 
Isso era num lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas...
O eco, burlão, de pedra em pedra ia saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.
 
Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.
 
Como a chuva caía das grossas nuvens, perfumosa!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.
 
Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
Mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.
 
E minha avó cantava e cosia. Cantava
canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.
 
Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes!  aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
 

MEIRELES, Cecília. Mar absoluto e outros poemas. Porto Alegre: Livraria do globo, 1945.  



2 comentários:

  1. Lembro de uma frase " há que se ter olhos de ver", da qual me apropriei há algum tempo e não lembro mais quem escreveu.
    Pois é! É preciso muita sensibilidade e inspiração para fazer essa constatação. Ou, os tais "olhos de ver"! Parabens!

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  2. A intuição soprou no meu ouvido.
    Grata pelo comentário.

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