Em 4 de outubro de 2008, um sábado, escrevi o seguinte texto que publiquei em meu antigo blog:
Uma bicicleta acorrentada a
um poste de esquina, sob chuva torrencial, atraiu minha atenção numa madrugada
de anos atrás. Na rua, não havia ninguém, além de mim, protegida pela couraça
de meu automóvel com vidro filmado. Não sei por que a gente tem essa ilusão de
que o para-brisa escurecido nos põe a salvo.
Por onde andaria o dono da
bicicleta? A tempestade teria motivado o abandono do veículo naquela calçada?
Ou algo de ruim sucedera?
Não sei por que me
preocupar com uma pessoa desconhecida. Mas essa sempre foi a minha natureza.
Não, por curiosidade. Por preocupação mesmo. Deve ser muito triste esperar por
alguém em casa e esse alguém não chegar, nem dar notícias.
Uma vez, numa manhã de
inverno (1996, 1997 ou 1998), eu andava na praia e testemunhei a morte súbita de um atleta. Ventava
muito e estava nublado. Meus olhos lacrimejavam. A areia fina impregnava
aflitivamente entre os dentes. Tudo estava deserto. Era possível contar os que
caminhavam ou corriam.
Uns passos depois de
chegar, olhei para trás e avistei um
pequeno círculo de pessoas perto do mar. Retornei. E, antes que eu alcançasse o
local, uma viatura do Corpo de Bombeiros estacionou. Vi quando o corpo de um homem
foi coberto com pano branco. Ele vestia shorts de atleta, tinha pernas
musculosas e calçava tênis. Era alguém que estava correndo e de repente caiu
sem vida na areia. Pedi para ver seu rosto. Isso era importante, porque ele não
carregava documentos, mas apenas uma chave. Não reconheci sua fisionomia, mas
percebi que o boné era dos chamados atletas de Cristo.
Corri até um telefone
público e liguei a cobrar para casa. Pedi a minha irmã, uma triatleta, que
avisasse um casal que coordenava uma equipe de corredores. Com sorte, eles
poderiam identificá-lo. Estava aflita com a possibilidade de que alguém o
estivesse esperando em casa.
Infelizmente, esse receio
se confirmou. O rapaz tinha 35 anos e era maratonista. Viúvo, morava com a mãe
e a única filha de 9 anos. A menina aguardava, com coleguinhas, que o pai
retornasse, para orientá-los em um trabalho de escola. Foi muito difícil dar a
notícia para a família.
Mesmo sem poder tê-lo
ajudado naquele instante final, senti um alívio por estar ali e ter tomado a
iniciativa de procurar alguém que o conhecesse. Consegui evitar que ele fosse
levado ao Instituto Médico Legal como indigente e que seus parentes tivessem
que peregrinar, horas ou dias, até obter alguma informação sobre seu paradeiro.
Fiz por ele e por sua
família apenas o que eu gostaria que fizessem por mim e pelos meus.
Quando a gente se põe no
lugar do outro, dá para sentir sua dor e sabe exatamente como deve proceder.
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