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Artigo publicado no jornal santista A Tribuna, na coluna Tribuna Livre, em 31 de março de 1964. |
Tropas do Exército rumaram de Juiz de Fora (MG) ao Rio de Janeiro, no dia 31 de março de 1964, para destituir o presidente da República, João Goulart. Em Santos, o golpe se concretizou em 1.º de abril, Dia da Mentira. Para que não nos esqueçamos e ninguém altere a História e desrespeite a memória dos que lutaram e resistiram em nossa cidade, escrevi e publiquei o artigo "A Verdadeira Sede do DOPS-Santos" no jornal santista A Tribuna, onde trabalhei por 23 anos, como repórter, subeditora e editora do primeiro caderno. Reproduzo a imagem da publicação e a transcrição do texto, para que todos os interessados possam ler. Boa leitura.
A VERDADEIRA SEDE DO DOPS-SANTOS
Lidia Maria de Melo, jornalista, escritora, professora e advogada.
O Dia da Mentira costumava ser marcado por sustos e risos. A intensidade da diversão dependia de quem soubesse inventar uma história melhor que a outra. Sem importar a idade, 1º de abril sempre foi uma data para se brincar.
Em 1964, a brincadeira acabou. De manhã, forças civis e militares, bem armadas, devassaram sindicatos ligados ao Porto de Santos. Dirigentes, associados e funcionários foram presos no Palácio da Polícia, na Rua São Francisco, junto com políticos, profissionais liberais e lavradores.
No prédio, funcionava a Cadeia Pública, a Delegacia Auxiliar da 7ª Região e a 4ª Delegacia de Ordem Política e Social, cuja sigla, DOPS, era usada no feminino e no masculino, por ser igual à do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, identificado, em outro período, também como DEOPS.
As entidades classistas ficaram nas mãos de interventores nomeados pelo capitão dos Portos, Júlio de Sá Bierrenbach, por indicação da Companhia Docas de Santos.
A sequência dessa História já é pública: inquéritos, demissões, processos, desemprego, prisão no navio Raul Soares, torturas, doenças, mortes.
Acompanhei tudo de perto. Meu pai era diretor do Sindicato dos Operários Portuários (atual Sintraport), foi preso no DOPS e no navio-presídio, que conheci por dentro. Eu tinha 6 anos e fazia o 1.º ano do Curso Primário na escola do sindicato.
Essa História me segue pela vida. Publiquei o livro Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós e tenho outro na fila de edição. Fiz reportagens, palestras, dei entrevistas e testemunhei na Comissão Nacional da Verdade e na Municipal. Ouvi sindicalistas daquela geração repetir que ficaram presos no DOPS. Não havia dúvida sobre a localização.
Em 2024, surgiu a versão de que o antigo DOPS havia funcionado no ex-prédio da Ciretran, na Av. Conselheiro Nébias. Não questiono o fato de que, naquela delegacia, tenha havido tortura, mas isso não torna o local a sede do DOPS-Santos.
Apesar dos métodos escusos, o DOPS não era clandestino e funcionou no Palácio da Polícia até 1983. Em 2010, milhares de prontuários de investigados e presos foram localizados numa sala e entregues ao Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Sobre a requisição do antigo imóvel da Ciretran, para fazer dele um lugar de memória, não sou contra. Porém, provas das alegações devem ser expostas, assim como se cobrou dos que foram à Justiça e à Comissão de Anistia reivindicar seus direitos.
Neste 1.º de abril de 2025, é preciso lembrar que, se queremos preservar a Memória e garantir a Justiça, para contar a História de luta e resistência de Santos, devemos priorizar a Verdade.
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