quarta-feira, 2 de abril de 2025

A verdadeira sede do DOPS_SANTOS


Artigo publicado no jornal santista A Tribuna, na
 coluna Tribuna Livre, em 31 de março de 1964.


Tropas do Exército rumaram de Juiz de Fora (MG) ao Rio de Janeiro, no dia 31 de março de 1964, para destituir o presidente da República, João Goulart. Em Santos, o golpe se concretizou em 1.º de abril, Dia da Mentira. Para que não nos esqueçamos e ninguém altere a História e desrespeite a memória dos que lutaram e resistiram em nossa cidade, escrevi e publiquei o artigo "A Verdadeira Sede do DOPS-Santos" no jornal santista A Tribuna, onde trabalhei por 23 anos, como repórter, subeditora e editora do primeiro caderno. Reproduzo a imagem da publicação e a transcrição do texto, para que todos os interessados possam ler. Boa leitura.

A VERDADEIRA SEDE DO DOPS-SANTOS

Lidia Maria de Melo, jornalista, escritora, professora e advogada.

O Dia da Mentira costumava ser marcado por sustos e risos. A intensidade da diversão dependia de quem soubesse inventar uma história melhor que a outra. Sem importar a idade, 1º de abril sempre foi uma data para se brincar.
Em 1964, a brincadeira acabou. De manhã, forças civis e militares, bem armadas, devassaram sindicatos ligados ao Porto de Santos. Dirigentes, associados e funcionários foram presos no Palácio da Polícia, na Rua São Francisco, junto com políticos, profissionais liberais e lavradores.
No prédio, funcionava a Cadeia Pública, a Delegacia Auxiliar da 7ª Região e a 4ª Delegacia de Ordem Política e Social, cuja sigla, DOPS, era usada no feminino e no masculino, por ser igual à do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, identificado, em outro período, também como DEOPS.
As entidades classistas ficaram nas mãos de interventores nomeados pelo capitão dos Portos, Júlio de Sá Bierrenbach, por indicação da Companhia Docas de Santos.
A sequência dessa História já é pública: inquéritos, demissões, processos, desemprego, prisão no navio Raul Soares, torturas, doenças, mortes.
Acompanhei tudo de perto. Meu pai era diretor do Sindicato dos Operários Portuários (atual Sintraport), foi preso no DOPS e no navio-presídio, que conheci por dentro. Eu tinha 6 anos e fazia o 1.º ano do Curso Primário na escola do sindicato.
Essa História me segue pela vida. Publiquei o livro Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós e tenho outro na fila de edição. Fiz reportagens, palestras, dei entrevistas e testemunhei na Comissão Nacional da Verdade e na Municipal. Ouvi sindicalistas daquela geração repetir que ficaram presos no DOPS. Não havia dúvida sobre a localização.
Em 2024, surgiu a versão de que o antigo DOPS havia funcionado no ex-prédio da Ciretran, na Av. Conselheiro Nébias. Não questiono o fato de que, naquela delegacia, tenha havido tortura, mas isso não torna o local a sede do DOPS-Santos.
Apesar dos métodos escusos, o DOPS não era clandestino e funcionou no Palácio da Polícia até 1983. Em 2010, milhares de prontuários de investigados e presos foram localizados numa sala e entregues ao Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Sobre a requisição do antigo imóvel da Ciretran, para fazer dele um lugar de memória, não sou contra. Porém, provas das alegações devem ser expostas, assim como se cobrou dos que foram à Justiça e à Comissão de Anistia reivindicar seus direitos.
Neste 1.º de abril de 2025, é preciso lembrar que, se queremos preservar a Memória e garantir a Justiça, para contar a História de luta e resistência de Santos, devemos priorizar a Verdade.



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