sábado, 28 de março de 2020

Em um mês, a alegria de ver garças no Mercado de Peixes cedeu lugar ao isolamento e ao medo do coronavírus

Lídia Maria de Melo (fotos e texto)


Chovia, na tarde do sábado, 29 de fevereiro, em que fiquei feliz por ver as garças no Mercado de Peixes. Amanhã, completa um mês. Hoje também é sábado e o Sol nos aquece. Porém, estamos isolados e meio tristes, na expectativa do que está por acontecer.

                                                          ***                                                                   
No dia 29 de fevereiro, por volta das 16 horas, acompanhei minha mãe ao Mercado de Peixes, no bairro da Ponta da Praia, perto da estação das balsas que fazem a travessia entre Santos e Guarujá.
Chovia, naquela tarde de sábado pós-Carnaval. E chuva não combina com praia, mas não impede a ida a esse lugar tão santista.
Depois que estacionamos o carro, precisamos nos espremer embaixo de um guarda-chuva azul, com o logotipo da universidade onde estudei e leciono.
Fomos ao box número 1, intitulado Box Santista, em homenagem ao Santos Futebol Clube e o preferido de minha mãe.
No primeiro momento, estranhei a ausência das garças brancas. Parece óbvio dizer garça branca, mas também existem garças na cor cinza.
Garças dominam a paisagem nos arredores do Mercado de Peixe.
Foto de Lídia Maria de Melo

Garça cinza no mar de Santos.
Foto de Lídia Maria de Melo.
Em uma outra ocasião em que estive no Mercado de Peixes com minha mãe, elas enfeitavam as ondulações do telhado e se exibiam nos capôs dos veículos estacionados, como se fossem as proprietárias. Na verdade, estavam à espreita.

Garça enfeita o telhado do Mercado de Peixes, que
será desativado em breve.
Foto de Lídia Maria de Melo

Garça pousou em carro, como se fosse a proprietária.
Foto de Lídia Maria de Melo
Desta vez, não decepcionaram. Surgiram, primeiro, timidamente e, depois, de modo mais atrevido. O objetivo era um só. Fisgar camarão, ou sardinha. Precisavam apenas de um descuido dos  vendedores.
Foi o que ocorreu.
Vendedor do Mercado de Peixes segura um robalo.
Na bandeja, uma pescada cambucu.
Foto de Lídia Maria de Melo.

Garças vigiam para fisgar camarões.
Foto de Lídia Maria de Melo.
Enquanto minha mãe se decidia entre uma pescada cambucu e um colosso de robalo, uma garça de pequeno porte pousou, melhor seria dizer estacionou, em uma placa de trânsito. Parecia respeitar a sinalização, que permitia o estacionamento por 20 minutos, na linha branca, desde que o pisca-alerta do veículo fosse mantido aceso.

Molhada da chuva, garça de pequeno porte
pousa na placa de trânsito e aguarda o momento de
fisgar um camarão.
Foto de Lídia Maria de Melo 
Empenhei-me em fotografar as protagonistas daquele cenário.
A pequena garça, com as penas molhadas, esperava o momento de obter sua refeição.
E não demorou muito. Bastou uma distração do vendedor com a freguesa, ela fisgou um camarão. Uma outra, mais alongada e esperta, não deu moleza. Passeando pela calçada, aproximava-se e recuava. Aproximava-se e recuava. Até que conquistou uma cobiçada sardinha, que engoliu com movimentos malabarísticos em cima de um automóvel branco também.

Antes de fisgar uma sardinha, garça passeia na calçada,
à espera da distração da vendedora de peixes.
Foto de Lídia Maria de Melo

Garça faz malabarismo para engolir a sardinha que
fisgou de uma bandeja do box do Mercado.
Foto de Lídia Maria de Melo.
Amanhã, faz um mês que fui ao Mercado de Peixes.
Depois, vivenciamos uma experiência traumática, ao vermos Santos e as cidades vizinhas serem inundadas pela água da chuva e enfrentando deslizamentos de morros que soterraram muitas vidas.
Nem havíamos nos recuperado dessa catástrofe que chamou a atenção do país, fomos assombrados por uma notícia mais temerária: a disseminação veloz do novo coronavírus por todos os países do mundo.
Desde o dia 17, somos obrigados a ficar em casa, em isolamento social, para evitar a contaminação, e disputamos álcool gel, máscaras, papel higiênico e papel toalha. Não saímos à rua nem mesmo para comprar comida. Fazemos pedidos pela internet.
Cada vez que chega algum objeto do lado de fora, o processo de descontaminação vira um ritual paranoico. A lavagem das mãos com sabão, por 20 segundos, ou cantando Parabéns a Você, duas vezes, passou a ser o ato mais solicitado pelas autoridades sanitárias e a imprensa. Imploramos, sem parar, pelas redes sociais e outros meios de comunicação: #fiqueemcasa.

Homem de máscara no Aeroporto JK, em Brasília.
Foto de Marcello Casal Jr/Agência Brasil - 27.3.2020
Prefeitos e governadores ordenaram o cumprimento de quarentena, mas o presidente do Brasil parece não querer acreditar na pandemia que, em um mês, na Itália, já matou 9.134 pessoas e deixou 66.414 casos ativos e 10.950 recuperados. Até o dia de hoje, o território italiano registra um total de 86.498 casos de covid-19.
O próprio presidente brasileiro voltou dos Estados Unidos com uma comitiva de mais de 20 pessoas contaminadas. Mesmo assim, afirma ter escapado ileso. Além do mais, irresponsavelmente chama a nova doença de "gripezinha", "resfriadinho".
Deveria prestar atenção no prefeito de Milão, Giuseppe Sala, que ontem pediu perdão aos italianos e ao mundo, por ter ignorado o grau de ameaça que era o coronavírus e incentivado a população a não parar suas atividades.
No dia 2 de março, o Brasil tinha 433 casos suspeitos e 2 confirmados. Até ontem, 27 de março de 2020, os casos confirmados de covit-19, provocada pelo coronavírus, eram 3.477, sendo 3.378 ativos, 93 mortes e 6 recuperados.
Essa quantidade resulta apenas dos casos testados. As pessoas com sintomas leves não foram submetidas a testes.
Casos novos confirmados de coronavírus no Brasil - Dados do Ministérios da Saúde.
Reprodução: Agência Brasil/EBC 

Há um mês, quando fui ao Mercado de Peixes e fotografei as garças brancas, jamais poderia imaginar que, em tão pouco tempo, o mundo inteiro estaria irmanado pela mesma dor, pelos cuidados e tomado pelo medo, em função de um vírus.
Países fecharam suas fronteiras. Muitos turistas, inclusive brasileiros, estão longe de casa, sem dinheiro, sem alternativa, sem poder retornar a seus lares.
Navios ficaram à deriva, com doentes a bordo e apelando autorização para aportar. Assista ao vídeo Costa Fascinosa contra o Coronavírus, sobre o navio que está em quarentena no Porto de Santos.
Realmente, a sensação é de que enfrentamos a Terceira Grande Guerra, mas o inimigo desta vez é invisível. A única arma de que dispomos é o isolamento social. Por isso, hoje, sem salvo-conduto, meu único lema é ficar em casa.
INÍCIO DA PANDEMIA
O novo coronavírus, causador da covit-19, uma síndrome aguda respiratória, começou na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na República Popular da China.
A primeira ocorrência da doença se deu no dia 1.º de dezembro de 2019, mas somente foi reportada em 31 de dezembro.
As autoridades sanitárias acreditam que o vírus tenha origem zoonótica, pois os casos iniciais acometeram pessoas que estavam ligadas ao Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Wuhan.
A China registra 81.394 casos da doença, sendo  3.128 casos ainda ativos, 3.295 mortes e 74.971 recuperados, mas a vida começa a voltar ao normal. O país tem enviado ajuda técnica a outras nações que concordam em recebê-la. Colabora com equipes médicas e aparelhos respiradores.
Além da Itália, com 86.498 registros, a Espanha contabiliza 65.719 (51.224 ativos, 5.138 mortes e 9.357 recuperados) e a França, 32.964 (sendo 25.269 ativos, 1.995 mortes e 5.700 recuperados). A Índia, com 1.391.479.751 habitantes, tem 902 casos registrados (799 ativos, 20 mortes e 83 recuperados).
Nos Estados Unidos, onde o governo também demorou a tomar medidas efetivas para evitar a propagação da doença, foram registrados até ontem: 104.256 casos (100.027 ativos, 1.704 mortes e 2.525 recuperados).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto como uma pandemia no dia 11 de março de 2020. Até hoje, 28 de março, confirmou 598.070 casos da doença em mais de 200 países.
Esse número pode estar subestimado, pois só os pacientes mais graves têm sido testados. Faltam testes na maioria dos lugares.
A propagação se dá em uma perspectiva geométrica, muito rapidamente.
Acompanhe os números da contaminação pelo coronavírus no mundo clicando neste link:
https://www.covidvisualizer.com. Vai aparecer o globo terrestre e o mapa de cada país.

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