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Image by Hans Braxmeier from Pixabay |
Ele nunca saberá a volta que eu dei para reencontrá-lo e depositar R$ 20,00 em seu boné.
Na manhã de sexta-feira, peguei a Avenida Conselheiro Nébias, única via santista que liga o porto à praia, cortando diversos bairros, em uma extensão de 4,4 Km.
Estava na altura do número 300, no sentido Centro-Praia. Precisava chegar ao número 741, na pista oposta, Praia-Centro. Isso exigiu que, dirigindo, eu fizesse o contorno por trás do Supermercado Carrefour, instalado no número 802, onde nos anos 1970 funcionou o Hipermercado Eldorado, com seu restaurante com mesa giratória, grande atrativo no Bairro do Boqueirão.
Essa mudança de pista me fez virar à direita, na Rua Roberto Simonsen, e percorrer um pequeno trecho da Pedro de Toledo, que me deu acesso ao sentido Praia-Centro da Avenida Conselheiro Nébias. Justamente nesse cruzamento, com o semáforo fechado, avistei um homem de idade, magro, cabelo branco, coluna ainda ereta, vestido com dignidade, estendendo um boné branco, num gesto pedinte em direção aos motoristas dos demais carros.
A cena me condoeu. Era um idoso, com jeito de quem trabalhou a vida inteira e agora estava necessitado. O semáforo logo abriu e não deu tempo para que eu abrisse a bolsa, repleta de bolsos e alcançasse a carteira com zíper, onde guardava meu pouco dinheiro trocado.
Quando dei partida no carro, ele estava na altura do vidro a meu lado. Fiz um gesto de sinto muito e segui, com o coração partido.
Enquanto me conduzia a meu destino, tracei um plano e o cumpri à risca. Trafeguei até o número 741, parei no estacionamento do Laboratório Pasteur, onde pegaria um exame para minha mãe. Antes de descer do carro e acionar o alarme, retirei da carteira R$ 20,00 e deixei no console. Na recepção, não havia ninguém, além da recepcionista, que me atendeu em cerca de dois minutos.
De posse da sacola de exames, voltei ao carro e me pus na Conselheiro Nébias, na direção contrária ao mar. Converti na Rua Soares de Camargo, primeira que deu acesso à Rua Oswaldo Cruz, e nessa continuei até a Lobo Viana, onde percorri uma quadra e acessei a Álvares de Azevedo, por trás do Super Centro Boqueirão.
Ali, peguei a Rua Bento de Abreu e a Dr. Amílcar Mendes Gonçalves, para retornar até a Avenida Conselheiro Nébias, sentido Centro-Praia, e chegar de novo até a Rua Roberto Simonsen, para outra vez passar atrás do Supermercado Carrefour e alcançar a Rua Pedro de Toledo.
Nesse trecho, torci para que o semáforo estivesse novamente fechado. Assim, poderia entregar os R$ 20,00 àquele homem de idade avançada, cabelo branco, vestido com dignidade, que estendia o boné na direção dos vidros dos automóveis, na esperança de angariar constrangedores trocados.
Talvez estivesse com fome, talvez a aposentadoria já não desse para sobreviver. Talvez houvesse remédios para comprar. Talvez, talvez, talvez...
Eu só podia supor. Jamais o tinha visto naquele cruzamento do Boqueirão, onde cadeirantes vendem balas, outros necessitados oferecem meia-dúzia de panos de chão branquinhos por R$ 10,00, meninos lançam bolinhas ou limões para o ar em malabarismos toscos, em troca de moedas ou nota de R$ 2,00.
Minha torcida deu certo. O semáforo exibia a luz vermelha acesa. Porém, na direção de meu carro, veio uma moça loira que me entregou um fólder de uma construtora. Rapidamente recolhi, e depositei no banco ao lado, aquele anúncio de apartamentos de dois dormitórios, com 53,97 m², por R$ 290 mil, na Rua Alexandre Martins, altura do Canal 5, após a Avenida Afonso Pena, no bairro do Estuário.
Meus olhos aflitos tinham outro interesse. Buscaram com rapidez a imagem daquele senhor, até avistarem o topo de seu cabelo branco entre as três fileiras de carros.
Em poucos instantes, a luz verde acenderia. Então, mentalmente, eu o atraí até mim.
O semáforo liberou a passagem para os carros, que logo se puseram em movimento. Ainda segurando a velocidade do meu, abri o vidro, estendi a mão para fora e balancei a cédula de R$ 20,00, com medo de não conseguir lhe entregar. Por sorte, ninguém acionou a buzina. Também por sorte, ele me percebeu e se aproximou. Não pegou o dinheiro com a mão. Estendeu o boné, onde o depositei, a tempo de ouvi-lo agradecer:
_ Deus a abençoe, minha senhora.
A voz era firme e, assim como a calça, o tênis e a camisa com manga dobrada acima do pulso, a ponto de exibir a pele branca com manchas senis, também demonstrava dignidade.
Não doei o dinheiro para sossegar minha consciência. Não. Eu não era culpada pela condição dele. Fiz todo aquele trajeto de novo, porque não me conformei em ver um homem idoso sendo obrigado a mendigar uns trocados no semáforo. Nenhum ser humano nasceu para herdar sina tamanha.
Aquela quantia não resolveria sua carência. Era pouco. Eu sei. Talvez permitisse que ele pudesse, ao menos, fazer uma refeição, ou pegar uma condução. Não tenho como conhecer sua real necessidade, assim como ele jamais saberá que eu não conseguiria ir embora, sem retornar àquela esquina.
Refazer todo o trajeto e depositar aquela nota em seu boné foi tudo o que estava a meu alcance naquele momento. Além disso, ele não ouviu, porque a fluência do trânsito me obrigou a tirar logo o carro dali, mas eu desejei que Deus o abençoasse também.
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