domingo, 24 de fevereiro de 2019

Incêndio da Vila Socó, em Cubatão: 35 anos se passaram e ninguém foi responsabilizado

Lídia Maria de Melo
(publicado em 25 de fevereiro de 2019 e atualizado em 6 de abril de 2019)


Há 35 anos, o município paulista de Cubatão entrava para a história das tragédias brasileiras.
Nos primeiros minutos da madrugada de 25 de fevereiro de 1984, sábado de Carnaval, um incêndio de grandes proporções dizimou a Vila Socó, uma favela de palafitas, que abrigava cerca de 8 mil pessoas, à margem do quilômetro 57 da Via Anchieta, estrada que dá acesso a  São Paulo, capital do Estado homônimo.
Provocada por um vazamento de gasolina dos oleodutos da Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobrás, que passavam sob os casebres de madeira, a tragédia deixou 93 mortos e 200 feridos, segundo números oficiais divulgados pelo então presidente da Petrobrás, Shigeak Ueki.
Moradores sobreviventes, jornalistas, policiais militares, bombeiros nunca admitiram essa versão, diante do cenário de destruição que testemunharam.
A tubulação da Refinaria transferia o produto para o terminal portuário no bairro da Alemoa, em Santos.
Por volta das 22h30 da sexta-feira, 24 de fevereiro, também de acordo com versão oficial, um operador da Refinaria iniciou a transferência da gasolina, mas o duto que deveria receber o combustível estava fechado, o que teria causado pressão excessiva e a consequente ruptura.
Com isso, mais de 700 mil litros de gasolina vazaram no mangue e se espalharam rapidamente.O forte cheiro assustou moradores, mas a maioria não abandonou o local.
Reportagens jornalísticas da época relatam que o tenente Roldão Paulino da Silva, da Polícia Militar, durante ronda localizou o ponto do vazamento no duto e ainda deu voz de prisão a um morador que tentava encher um vasilhame com a gasolina.
O policial também alertou os moradores para que deixassem suas casas, porque havia riscos. Devido à forte chuva que caía naquela noite, a maioria não acatou as orientações. Muitos estavam dormindo.
O tenente comunicou a Petrobrás sobre o vazamento, utilizando o rádio da viatura. Um policial rodoviário também contatou a Refinaria. Diante dos avisos, o engenheiro Araci de Souza Freire compareceu ao ponto do vazamento e pediu ajuda ao Corpo de Bombeiros. Era meia-noite e vinte minutos do da madrugada do sábado, 25 de fevereiro.
Dez minutos depois, uma explosão foi ouvida e os moradores da Vila Socó viram labaredas. Alguns conseguiram fugir. Muitos (até hoje não se sabe quantos) não tiveram chance, porque em pouquíssimo tempo a favela foi tomada pelas chamas, após outras explosões. O fogo alastrou-se com rapidez, porque o produto inflamável espalhou-se pelo mangue, favorecido pela movimentação da maré.
Quando os bombeiros chegaram, não havia o que fazer. O incêndio só foi debelado pela manhã, quando alguns focos ainda podiam ser vistos. Além de restos de madeira e
utensílios retorcidos pelas chamas, o cenário expunha corpos incinerados. Sobreviventes tinham certeza de que crianças poderiam ter se desintegrado nas labaredas e famílias inteiras, sumido no fogo. Desse modo, não havia quem reclamasse a ausência delas.

CONTRASTE

Naquele ano, os números associados às indústrias de Cubatão denotavam riqueza. O município produzia 47% do hidrogênio brasileiro, 40% do aço, 38% dos fertilizantes, 32% do ácido fosfórico, 30% do polietileno, 18% do gás de cozinha e 12% da gasolina consumida em todo o território nacional, segundo a jornalista e pesquisadora Renata Egydio Carvalho¹. Alguns desses produtos eram também exportados, contabilizando cerca de um bilhão de dólares.
Essa robustez industrial contrastava com a pobreza que predominava entre boa parte dos habitantes do território situado ao pé da Serra do Mar, internacionalmente conhecido como Vale da Morte.
As favelas começaram a surgir em Cubatão com a construção da Via Anchieta, na década de 1940, e com a industrialização. Seu nome passou a ser associado  à poluição que provocava o nascimento de bebês anencéfalos, a alta incidência de leucopenia entre trabalhadores e o desflorestamento da Mata Atlântica, no trecho da Serra, em função do ar e das chuvas com alto teor de toxicidade.
Foi nesse ambiente que se formou a favela denominada Vila Socó no começo da década de 1960, por iniciativa de Arthur Isidoro Maez, pescador que criava um socó. O pássaro, que vive em meio aos pântanos e alagados, exatamente como as palafitas que foram consumidas pelo fogo, emprestou seu nome ao aglomerado.
A tragédia traumatizou toda a região da Baixada Santista, e o Ministério Público denunciou autoridades e técnicos, mas ninguém foi responsabilizado. O então ministro de Minas e Energia, César Cals, culpou o Governo do Estado pela tragédia, por haver um núcleo habitacional na área da Refinaria. Na ocasião, o governador era Franco Montoro, enquanto José Oswaldo Passarelli estava à frente da Prefeitura.
A Cesteb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) multou a Petrobrás, mas a empresa recorreu, isentando-se de culpa, com o apoio do Ministério das Minas e Energias.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade chegou a investigar o caso, ocorrido durante a ditadura militar, mas não houve resultados concretos.
Os moradores remanescentes foram transferidos mais tarde para um bairro planejado, que recebeu o nome de Vila São José.

COBERTURA JORNALÍSTICA


Bombeiro carrega corpo carbonizado na Vila Socó. A imagem
impactante, que registra as marcas da tragédia,
 foi captada pelo
 repórter-fotográfico Walter Mello, do jornal A Tribuna (Santos/SP)
Waltinho faleceu no dia 1.º de abril de 2019. 
O incêndio na Vila Socó ocorreu quando eu ainda cursava o terceiro ano do curso de Comunicação Social, habilitação Jornalismo, na Faculdade de Comunicação de Santos (atual Universidade Católica de Santos).
Como era Carnaval, viajei na sexta-feira, dia 24, para a cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, onde passei os Festejos de Momo. Lá, fiquei sabendo da tragédia.
Para ler a cobertura que jornais e revistas brasileiros e estrangeiros realizaram, clique nos títulos dos veículos de imprensa abaixo relacionados:
A Tribuna 1  (reprodução do site Novo Milênio)
A Tribuna 2 (reprodução do site Novo Milênio)
A Tribuna (versos para Vila Socó, reproduzida pelo Novo Milênio)
Cidade de Santos (reprodução do site Novo Milênio)
Agência Folha
Folha Press (inclui foto do repórter-fotográfico Ademir Barbosa)
Folha de S. Paulo (inclui a primeira página do jornal Notícias Populares)
Folha de S. Paulo (cobertura do dia da tragédia, com fotos de Ademir Barbosa, reprodução do site Novo Milênio)
Jornal do Brasil (digitalizado pelo Google News)
Jornal do Brasil (reproduzido pelo site Novo Milênio)
Jornal Especial Vila Socó 
O Estado de S. Paulo (reproduzido no site Novo Milênio)
Revista Brasil Extra (reproduzida pelo Novo Milênio)
Revista Veja (reproduzida pelo site Novo Milênio)
Revista Estudos Avançados (reprodução site Novo Milênio)
Última Hora (reprodução do site Novo Milênio)
The Canberra Times (Austrália), La Vanguardia (Barcelona), The New York Times (EUA), Time Magazine (EUA), Le Monde (França) ( reproduzidos pelo site Novo Milênio)
Gazeta Mercantil e Revista Manchete
.............
¹ CARVALHO, Renata Egydio. Cubatão e o jornalismo ecológico: estudo de três momentos. Disponível em: Acesso em 24 fev. 2019.

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