terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Discurso de Bolsonaro em Davos.
Para bom entendedor, 7 minutos bastam

Lídia Maria de Melo
A pessoa preside um país de dimensões continentais, o maior da América Latina, a nona economia do mundo, mas comparece ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e fala por apenas 7 dos 30 minutos a que tinha direito. Seu discurso é marcado por mensagens implícitas e lugares-comuns empregados na campanha eleitoral, como por exemplo: "... uma política na qual o viés ideológico deixará de existir"; "Vamos resgatar nossos valores..."; "Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos"; “Deus acima de tudo”.
Esse senhor, escolhido por 1/3 da população eleitora, desconhece o conceito de "ideologia". Ele e seus asseclas não sabem que tudo o que pensam, propagam e executam é ideológico. Ou seja, não é a ideologia dos opositores, mas é a sua ideologia.
Antes de seu (des)governo, o Brasil não travava relações econômicas com países por "viés ideológico" especificamente de esquerda, como ele deixa subentendido. Tanto que, ao mesmo tempo, se relacionava economicamente, e se relaciona, com Estados Unidos, China, Venezuela, Cuba, Guiné Equatorial, Austrália, França, Reino Unido, Alemanha, entre tantos outros de todos os continentes.
O discurso do sr. Bolsonaro é marcadamente ideológico, mas vazio de projetos. Peca pela falta de objetividade, porque não explica o que vai fazer, quando afirma que irá "resgatar nossos valores", "vamos defender a família e defender os verdadeiros direitos humanos". Quais são os valores que ele classifica por "nossos"? O que ele entende por "verdadeiros" direitos humanos? Será que ele sabe que as definições de direitos humanos são universais?
Não tenho nada contra Deus. Ao contrário, acredito em uma força maior que rege o universo e nossas vidas. Rezo todos os dias e peço proteção a Nossa Senhora Aparecida. Tenho uma imagem de São Longuinho, comprada na Catedral de Pedra, em Canela, na Serra Gaúcha, porque desde criança aprendi a recorrer a esse santo, quando perdia algum objeto, e ele sempre me atendeu. Procuro seguir os preceitos cristãos, mas isto é questão de fé e de foro íntimo. Fé não se discute. O Estado Brasileiro é laico. E dessa forma deve continuar sendo, porque é o que estabelece nossa Constituição em seu artigo 5.º, inciso VI.
Os implícitos presentes no curto discurso do presidente do Brasil causam-me também preocupação no que se referem ao meio ambiente. Ele alfinetou os países que se manifestaram em defesa das florestas brasileiras, como a Noruega. "Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós", expressou. Sua intenção, de fato, não foi defender as florestas, nem a população indígena, que respeita o meio ambiente e ajuda a preservar, ao manter suas reservas.
O que o sr. Bolsonaro afirmou, de modo indireto, para sossegar seus apoiadores ruralistas, é que pretende ampliar a área ocupada pelo agronegócio, nem que para isso precise derrubar mais árvores. Eis o que ele disse: "A agricultura se faz presente em apenas 9% do nosso território e cresce graças a sua tecnologia e à competência do produtor rural. Menos de 20% do nosso solo é dedicado à pecuária. Essas commodities, em grande parte, garantem superávit em nossa balança comercial e alimentam boa parte do mundo."
Ou seja, para o atual chefe de Estado brasileiro, preservação florestal é bobagem. O que importa é ampliar o pasto do gado e as plantações de soja, porque isso é que dá dinheiro. Se o Planeta Terra está sob ameaça, problema das próximas gerações. O que ele precisa é cumprir compromisso de campanha, retribuindo o apoio dos ruralistas.
Por sinal, a ministra da Agricultura já afirmou que as reservas indígenas demarcadas serão respeitadas. Ou seja, deixou pressuposto que não haverá novas demarcações, para dar espaço ao agronegócio, claro! Meio ambiente? Ora, o meio ambiente!
Não foi à toa que o Prêmio Nobel de Economia de 2013, Robert Shiller, disse que Bolsonaro lhe dá medo e que "o Brasil é um grande país e merece alguém melhor".
Pois é, para bom entendedor, 7 minutos bastam.
Depois, "analfabeto" era o outro.


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