(Atenção: Na análise abaixo, foi mantida a grafia da época, 1970, nas citações aspeadas do texto da
Agência Alcântara Machado. Por isso, algumas palavras recebem acentos que não fazem
parte das regras ortográficas atuais)
Lídia Maria de Melo
Anúncio da agência Alcântara Machado
publicado em outubro de 1970 nos veículos
brasileiros de circulação nacional
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O texto era um alerta para o perigo do vício que matava cada vez mais
naqueles finais de anos 60 e início dos 70. Na época, os jovens rejeitavam o
mundo dos negócios e, ao mesmo tempo, exaltavam o lema “paz e amor” e a
filosofia “sexo, drogas e rock ‘n’ roll”.
A agência queria sensibilizar a juventude, para que não se iludisse com
as falsas sensações provocadas pelos entorpecentes (“fuja dos traficantes”) e
não alimentasse “o mais sujo negócio do mundo”.
Com ritmo ligeiro, devido às frases curtas e, quando longas,
bem-pontuadas, o anúncio assume um discurso emotivo e confessional desde o
início. Essa característica fica evidente pelo emprego da primeira pessoa: “Estamos chorando por eles”; “Somos uma emprêsa ìntimamente ligada
à comunicação”.
Depois, com linguagem
referencial, enaltece as qualidades da juventude (“Porque eles são um sôpro de vida no cansaço do
mundo”; “Porque eles são côres,
vida, amor, liberdade”) e propõe uma
aliança (“...estamos colocando nossa arma
- o anúncio – a serviço de todos os Jimmys e Janis dêste País”).
Na sequência, utiliza a função conativa ou apelativa, para aproximar-se
dos jovens leitores e aconselhar: “Não deixem que as drogas os levem para
sempre do mundo que vocês querem esquecer”. Mas explica: “Sem vocês, êsse mundo fica ainda maior”.
As justificativas prosseguem nos parágrafos seguintes, em tom
argumentativo: “...você, que tem um
sereno desprezo pelo ‘mundo dos negócios’, estará alimentando o mais sujo
negócio do mundo: drogas”. Até que um desafio é lançado: “Viva o suficiente
para tentar mudar o mundo que lhe demos”.
Embora volte à função referencial, o texto disfarça um tom apelativo,
usando um eufemismo, para evitar mencionar de novo a palavra morte: “Ninguém faz nada nem muda
nada embaixo de um túmulo”.
Numa tentativa de aliança e linguagem compreensiva, a agência barganha:
“Preferimos ver você levantando os braços na ilha de Wight, do que baixá-los
para morrer”.
No final, surgem os verbos no imperativo, característicos da função
conativa, mas não como ordens, que os jovens rejeitariam, mas como conselho e apelo definitivos: “Não morra por nada. Não
vale a pena. Ou, para usar nossa linguagem: é um mau negócio”. Ou seja, o texto
coloca o jovem em pé de igualdade com o mundo que ele rejeita: o dos negócios.
Só que os maléficos.
Durante todo o tempo, o anúncio contrapõe a linguagem e a ideologia do
jovem da época com a dos mais velhos, para reafirmar sua mensagem aos
primeiros.
Além do eufemismo mencionado mais acima, a agência emprega outras figuras
de linguagem, como a metáfora
(“..seríamos um punhado de cifras, alienado e sem calor”, “Porque eles
são côres, vida, amor,
liberdade”); a aliteração (“vazio de vida”), a metonímia (“Porque o mundo só é
rico no coração dos jovens”), a antítese (“Preferimos ver você levantando os
braços na ilha de Wight, do que baixá-los para morrer”) e a prosopopeia (“Não
deixem que as drogas os levem para sempre que vocês querem esquecer”).
Alguns erros também são observados.
O nome do guitarrista, por exemplo, está escrito como Jimmy, quando o
correto é Jimi. A idade dele e a de
Janis aparecem como 24 anos e 26,
respectivamente. Os dois, no entanto,
tinham 27 e já se aproximavam dos 28. Atualmente, eles são mencionados como
integrantes do Clube dos 27, ou seja, dos ídolos do universo musical que
morreram com essa idade. A mais recente foi a cantora Amy Winehouse, encontrada
morta em 23 de julho de 2011, em Londres.
Quando menciona a Ilha de Wight, a correlação entre verbo e preposição não é adequada. Se o verbo
"erguer" é conjugado no gerúndio, o "baixar" também deveria
ser flexionado nessa forma. Assim: “Preferimos ver você levantando os braços na
Ilha de Wight do que os baixando para morrer”.
Como o verbo "preferir", pela norma culta da linguagem, é
regido pela preposição "a" e não pela locução conjuntiva
"do que", a agência deveria recorrer a outra frase. Pode ser que ela
tenha assumido a locução, porque é mais coloquial e o modo formal soaria
distante do receptor jovem.
Na frase “Sem vocês, êsse
mundo fica ainda pior”, o pronome demonstrativo está errado. O correto seria
“este”, do mesmo modo como foi usado “deste” em outra frase: “... a serviço de
todos os Jimmys e Janis dêste País”.
Quanto à acentuação, aparecem os circunflexos diferenciais (“êles”, “êsse”, “côres”,
“emprêsa”, “estrêla”) e o acento grave na
palavra derivada “ìntimamente”. Em outubro de 1970, data da publicação
do texto, ainda vigoravam as regras de 1942. Somente em dezembro de 1971 foi
assinada reforma ortográfica que extinguiu os acentos diferenciais e o grave (quando
usado nos vocábulos derivados de outros acentuados com o agudo). Essas regras
passaram a valer em janeiro de 1972.
Em termos de apresentação, a agência substituiu o título por fotos de
Jimi Hendrix e Janis Joplin, porque as imagens têm mais apelo, já que ambos
eram ídolos de uma geração.
Não fosse pela rejeição que os jovens dos anos 60 tinham pelo mundo dos
negócios e que os de hoje não têm, esse texto da Agência Alcântara Machado
seria totalmente atual. Bastaria trocar os nomes de Jimi e Janis pelos de
Michael Jackson e Amy Winehouse, por exemplo, e corrigir a acentuação.
Ninguém diria que foi escrito há mais de quatro décadas.
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Como publicitário, só tenho que te parabenizar pela lucidez na análise. Realmente, com um ou outro retoque formal, o anúncio continua válido. Abraços pra você, Lidia Maria.
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