A notícia chegou tarde. Só no domingo é que descobri. Zuleika despediu-se para sempre em tempos de festas. Entre o Natal e o Ano-novo. Em 27 de dezembro. Não ouvi comentário, não li, não recebi o aviso. Nem abri o jornal naquele dia. Aos 90 anos, ela se foi de mansinho, de um jeito que não era o seu durante a vida.
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Eu e Zuleika Alambert no jornal A Tribuna em 4 de maio de 2005 |
Em 4 de maio de 2005, ela recebeu homenagem da Câmara Municipal de Santos e passou na Redação do jornal A Tribuna. Acabamos nos conhecendo pessoalmente e fomos fotografadas juntas na sala do editor-chefe (foto acima). Infelizmente, não tenho certeza do nome do fotógrafo. Uma vaga lembrança me traz à mente o colega Alberto Marques. Talvez tenha sido ele. No dia seguinte ao de sua morte, um equívoco fez o jornal A Tribuna registrar a foto como sendo de 11 de março de 2005, data da publicação de minha matéria.
Em 7 de novembro de 2011, publiquei de novo no jornal A Tribuna o comentário intitulado Uma mulher apaixonada por política, que está reproduzido aqui no blog (clique no link marrom ou leia a transcrição abaixo).
Zuleika Alambert não deixou filhos. Seu legado é histórico e de outra natureza.
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(Reproduzido do jornal A Tribuna - 7/11/2011 - página A-7)
Comentário
DE LÍDIA MARIA DE MELO
Uma mulher apaixonada por política
Entrevistei Zuleika
Alambert em 2005. A reportagem
foi publicada em A Tribuna no dia 11 de março daquele ano. Na abertura do texto, incluí uma frase dela
que sintetiza a força motriz de sua trajetória: “Eu não admitia ser igual às
outras moças de minha época”.
Zuleika estava com 82 anos, tinha o cabelo
tingido de amêndoa e se embrenhava no universo da Física Quântica. Tudo
combinava com sua biografia.
Ela nasceu em 1922, o mesmo ano em que a
geração modernista abalou as estruturas das artes brasileiras. Sua terra natal?
Santos, uma cidade à beira do Atlântico, aberta às vanguardas culturais e
políticas. Sob essa égide, ela não poderia mesmo cumprir a sina das mulheres de
sua geração.
Aos 12 anos, já escrevia para jornais. Na
escola, dividiu bancos com Cleide Yáconis e Cacilda Becker, que não tardaram a
despontar nas artes dramáticas. Tornou-se amiga de Miroel Silveira, mais tarde
um respeitado jornalista e diretor teatral.
Zuleika até encenou peças, mas não queria
interpretar para sempre. Tinha atração pela política. Mas essa área era, e
ainda é, mais povoada por homens. Sem problemas. Ela foi atrás de seu sonho.
“Eu nasci para ser política".
E tinha razão. Antes de completar 23 anos,
em 1945, ajudou o estivador Oswaldo Pacheco da Silva a se eleger deputado
federal constituinte pelo PCB. Em 1946, apoiou os estivadores no boicote aos
navios espanhóis, em protesto contra a ditadura de Franco.
Desse movimento, também participou o então
presidente do Sindicato da Administração Portuária, Leonardo Roitman. Mas ela
levou vantagem. Venceu-o na disputa por uma cadeira na Assembleia Legislativa
pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com o apoio da estiva, obteve 4.043
votos e ele, 2.122.
Tornou-se a primeira mulher da Baixada
Santista e a segunda no estado de São Paulo a ser deputada estadual. Apesar dessa
conquista, da prisão, do exílio durante a ditadura militar e dos livros que
escreveu, sua história caiu no esquecimento entre as gerações santistas posteriores.
Principalmente, porque se fixou no Rio de Janeiro quando retornou ao Brasil em
1979.
Em 2005, A Câmara de Santos decidiu
homenageá-la. Como editora, fiz questão de entrevistá-la. Conversamos por
telefone em 6 e 8 de março de 2005. Também ouvi seu irmão Paulo Alambert. O
resultado foi uma página de informações valiosas que são muito consultadas e estão
disponíveis em meu blog (http://lidiamariademelo.blogspot.com).
Em 4 de maio de 2005, quando a homenagem da
Câmara se consolidou, Zuleika veio a Santos e visitou A Tribuna. Enfim, nos
conhecemos. Além de Física Quântica e questões sociais, interessava-se por meio
ambiente. E rejeitava o rótulo de feminista. “As mulheres devem fazer parte e
não, estar à parte”, disse ela, que se casou duas vezes, mas não teve filhos.
Zuleika Alambert me fez reforçar o alerta
que costumo repetir, quando ressalto a importância dos feitos de gerações
passadas: “O mundo não começou quando nós nascemos”. Antes de nós, alguém abriu
caminho.
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