Hoje, o diário paulista levou às bancas sua última edição, com uma foto da cidade de São Paulo e um agradecimento.
Na madrugada, inseri na Wikipédia a informação sobre o seu fim. Era a notícia que eu não gostaria de ter dado e que me fez lembrar do dia 15 de setembro de 1987, quando o jornal Cidade de Santos, do Grupo Folhas, encerrou suas atividades, depois de 20 anos de circulação.
Eu fazia parte daquela equipe e estava lá havia 1 ano e 9 meses, desde 2 de janeiro de 1986.
Embora tivesse tiragem estadual, o Jornal da Tarde faz parte da história do jornalismo brasileiro. Ajudou a contar a história do Brasil.

Quase todos da equipe de repórteres que passaram por lá até os anos 1970 tornaram-se escritores.
Durante a ditadura militar, o JT ficou conhecido por cobrir os espaços em branco das matérias censuradas com receitas culinárias totalmente inventadas. Era uma espécie de aviso ao público, que nem sempre percebia a intenção da mensagem.
Em meu livro "Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós", publiquei uma dessas matérias, bruscamente interrompida, sem ponto final, e complementada com uma receita maluca.
Ao longo de sua trajetória, o JT se marcou pelos textos muito bem-escritos e pela criatividade e irreverência de suas capas.
Nesse último caso, se insere a primeira página de 5 de junho de 1978. Em destaque, está Paulo Salim Maluf, indicado como candidato da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido governista, na disputa indireta pelo cargo de governador de São Paulo. Mesmo sendo o favorito do general-presidente Ernesto Geisel, Laudo Natel fora passado para trás. Charges ironizando Maluf emolduravam a página.

Até pouco tempo atrás, quando a linha do jornal mudou, o diário presenteava o leitor com lições culturais. Publicava o Caderno de Sábado. Com ele, aprendi muito sobre literatura e cultura em geral.


Quando o primeiro transplante de coração foi realizado pelo sul-africano Christian Barnard, o JT estampou na edição de 4 de dezembro de 1967: "Coração de moça salva velho".
No ano seguinte, foi a vez do cirurgião Eurípides de Jesus Zerbini realizar o primeiro transplante cardíaco no Brasil. A edição de 26 de maio de 1968 saiu com um "Extra" acima da manchete "Coração trocado vai bem".
Não posso me esquecer de mencionar o Jornal do Carro, encartado todas as quartas-feiras, para atender a quem necessitava de informações sobre automóveis e outros veículos motorizados.
Seus fãs não precisam se preocupar. O JC conseguiu se salvar. Será incorporado a O Estado de S. Paulo.

Seria preciso escrever um livro para se falar das capas criativas do Jornal da Tarde. No momento, quero somente prestar-lhe uma homenagem, como leitora saudosa e jornalista.
Hoje, no Brasil, é o Dia do Saci Pererê, o personagem folclórico que dá fim a objetos, faz viajantes errarem o caminho. Seria bom que tudo não passasse de uma brincadeira provocada pelo negro moleque travesso de uma perna só. Infelizmente, não é.
Então, aquela capa enlutada do Jornal da Tarde, publicada em 26 de abril de 1984, poderia ser resgatada hoje.
Como também é dia do aniversário de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, vale lembrar de seus versos: "A festa acabou/ a luz apagou".
Abraço aos colegas que fizeram a edição final.
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