quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Ainda estou aqui. Veja o filme. Leia o livro.

                Lídia Maria de Melo

Atrasei a ida ao cinema, para ver "Ainda estou aqui". Temia me deparar com a emoção, embora já conhecesse a história. Em 2015, comprei e li o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que deu origem ao filme de Walter Salles. Sabia o que me esperava.
Ontem (19/11/24), tomei coragem. Escolhi a sessão das 12h30, porque preferia que a sala não estivesse lotada. Acertei na escolha.
Chorei durante o filme quase inteiro. Isso nunca me aconteceu.
Não me surpreenderam as cenas de brutalidade dos militares, tanto na abordagem nas blitze, quanto nos "interrogatórios". Ainda na infância senti na pele os efeitos dessa selvageria. Há décadas, acompanho, estudo e escrevo sobre essa temática.
Mesmo assim, independentes, as lágrimas escorriam. Por causa desse passado que também marcou minha família e a mim. Pelas ameaças atuais à nossa democracia. Pelo que o futuro ainda pode nos reservar.
Com maestria, Walter Salles enfatiza para a plateia que Rubens Paiva, Eunice e os cinco filhos eram pessoas comuns, distintas, que, no cotidiano, viviam em harmonia e rodeadas de amigos.
A mais nova das quatro filhas ainda trocava os dentes de leite. O molequinho Marcelo jogava bola na rua, empinava pipa e brincava na areia da praia.
As meninas maiores não passavam de adolescentes iguais a outras tantas, que tinham amigas, ouviam músicas e iam à praia. A mais velha registrava cenas banais com sua filmadora super 8.
Eunice destacava-se como mãe e esposa, que cuidava da rotina de cada um, das refeições e da memória da família. Guardava fotos em álbuns, em caixas, e anotava no verso as datas, para não se esquecer. Identifiquei-me muito com essa característica de ser a guardiã da memória.
O perfil da família Paiva destrói o argumento dos que, ainda hoje, defendem a volta dos militares ao poder. Rubens Paiva não era terrorista, nem comunista, sequer pegou em armas contra a ditadura. Havia sido deputado federal, foi cassado e, como engenheiro, trabalhava diariamente. Sua maior ousadia foi ser solidário com os injustamente perseguidos.
Esse retrato me fez lembrar de meu pai. Mesmo muito pequenas, sabíamos que ele não tinha cometido crime algum. Foi preso duas vezes por ser diretor sindical, por defender direitos trabalhistas e por se negar a testemunhar falsamente contra um companheiro do porto e de sindicato.
Na postura de Eunice Paiva, após o desaparecimento do marido, vi a força e a firmeza de minha mãe, que se reinventou para amparar e sustentar suas meninas, o próprio marido e a si mesma, sem perder a capacidade de sorrir, apesar de se irritar muitas vezes.
Quando nosso pai foi preso, ela certamente nos omitiu alguns fatos, mas muito poucos. Não havia como ocultar que nosso pai não voltou para casa e ficou dois longos períodos preso. Por isso, nos levou ao Palácio da Polícia, para tentar saber dele, e ao navio-prisão Raul Soares, onde pudemos vê-lo sob a mira de policiais marítimos e metralhadoras.
Em algumas cenas, lembrei de minha irmã mais velha. Por ter uma inteligência acima da média e por tanto entender o que acontecia, quase não falava sobre o assunto. Talvez para preservar a mim e a minha mãe. Seu desabafo manifestou-se por meio de uma rara doença autoimune, que a roubou de nós ainda na adolescência.
Rubens Paiva foi morto sob tortura. Em Santos, sua terra natal, noventa e nove vírgula nove por cento dos trabalhadores presos em 1964 foram absolvidos, anos e anos depois, pela Justiça Militar. Ninguém foi morto, mas todos sofreram tortura. Tecnicamente, há várias maneiras de se torturar, assim como de se matar alguém. Alguns continuaram vivos, mas uma parte dentro deles nunca mais foi a mesma. Muitos adoeceram e morreram precocemente.
No filme, senti falta da cena em que Marcelo, aos 9 anos, teve que pular o muro da casa e levar um bilhete, a partir do qual a avó paterna, que morava em Santos, fosse avisada. Não nos esqueçamos de que Rubens Paiva era santista.
Talvez o filme pudesse também mostrar que, após o desaparecimento do marido e de mudar do Rio de Janeiro, Eunice e os filhos se instalaram por dois anos em Santos, na casa dos pais de Rubens, no Canal 1. Quando ela prestou vestibular aos 42 anos, foi aprovada na Faculdade de Direito da Sociedade Visconde de São Leopoldo, atual Universidade Católica de Santos (UniSantos). Depois é que se transferiu para a do Mackenzie.
Gostaria também de ter visto que ela foi advogada do cantor britânico Sting, amigo do cacique Raoni e apoiador da causa indígena. Esse detalhe talvez despertasse ainda mais a plateia estrangeira. O filme mostra sua atuação como especialista em Direito Indígena, mas não a relaciona ao ex-vocalista da banda The Police.
Também seria impactante mostrar a cena em que ela sai pelas ruas do Rio de Janeiro, de camisola, quando mais tarde voltou a morar lá sozinha. Os vizinhos é que deram o alerta aos filhos sobre esses primeiros sinais do Alzheimer.
Por outro lado, adorei a inclusão do pedido de autógrafo da funcionária do Fórum a Marcelo. Além de mostrar a capa de “Feliz Ano Velho”, numa sugestão de leitura, e informar que ele se tornou escritor e que sofreu um acidente, a cena me fez lembrar da noite de 23 de março de 1984. Nessa data, ele fez palestra em Santos e autografou o livro que tenho até hoje.
Sobre a atuação de Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, só posso expressar o privilégio de testemunhar esse grau de excelência na dramaturgia brasileira. Todo o elenco está de parabéns.
Por sinal, já tive a honra de ver mãe e filha de perto, em momentos diferentes. Fernandona, na redação do jornal A Tribuna e no Sesc, em “Dona Doida”. Fernandinha, também n’A Tribuna e no saudoso Bar da Praia, em um talk show comandado por Eduardo Caldeira, em 1990.
Quanto à trilha sonora, amei ouvir e ver a dancinha de “Hey Hey Dee Dee, Take me back to Piauí”. Deu saudade do menestrel Juca Chaves, a quem vi em show no Casa Grande Hotel, em Guarujá, em 1997. E as meninas dançando “Je t’ aime moi non plus”? E “As curvas da Estrada de Santos”? Perfeita referência à nossa cidade, terra de Rubens.
Comentaria muito mais sobre a dramática saga dos Paivas e do Brasil, mas fico por aqui. Antes de terminar, preciso recomendar a leitura do livro “Ainda estou aqui”, de Marcelo Rubens Paiva. Não há como se arrepender. É um meio de se fortalecer com mais informações. Nos dias atuais, precisamos delas para nos proteger dos planos nefastos dos que ainda sonham trazer de volta o terror. Então, assistam ao filme, leiam o livro e defendam a democracia.
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sábado, 14 de setembro de 2024

O golpe de 1964 e a invasão de sindicatos do Porto de Santos, em minha entrevista na Band Litoral


Para assistir, clique aqui.

Os 60 anos do golpe militar e a perseguição aos trabalhadores do Porto, organizados em sindicatos. Esse foi o tema de mais uma entrevista que concedi este ano e foi ao ar em 14 de setembro de 2024 no programa Porto e Baixada, veiculado pela Thathy TV - Band Litoral e também no canal da emissora no Youtube. Trato desse assunto no meu próximo livro sobre a ditadura no Porto de Santos. Para assistir e conhecer um pouco mais sobre esse tema histórico e tão importante, clique no link: https://youtu.be/UfUw_Wd8DyY.  

A equipe que me entrevistou foi a Naihara Carvalho - Naih Oliveira Carvalho (produção), Rafael Roncarati (cinegrafista) e Gabriel Ursini (produção e operação de drone). No roteiro e edição final, André Rittes; edição, Renan Sposito; apresentação, Felipe Folli; e direção, Ari Brito.

Obrigada a todos pela veiculação de um assunto tão importante para a História do Brasil, de Santos, do Porto, dos Trabalhadores Portuários e de outras áreas e do Sindicalismo Santista e Brasileiro.

Para assistir, clique  no link:     https://youtu.be/UfUw_Wd8DyY ,

#DitaduraNuncaMais #sindicalismo #Santos #PortoDeSantos #trabalhadores #companhiadocas

sábado, 23 de setembro de 2023

Você conhece a expressão "PT saudações"?

Lídia Maria de Melo

Outro dia, em uma rede social, perguntei a meus seguidores se alguém conhecia a expressão "PT Saudações".
Alguns, mais velhos, disseram que sim.
Outros preferiram não arriscar uma resposta.
Pois bem, vamos às explicações.

A expressão surgiu com o telegrama, meio de comunicação inaugurado no Brasil em meados do século 19, após a invenção do telégrafo. Tratava-se de uma forma bem rápida e urgente  de comunicação.

O telégrafo foi criado pelo norte-americano Samuel Finely Breese Morse em 1837. Somente em 1844, ele conseguiu enviar a primeira mensagem à distância. A linguagem usada passou a ser conhecida como Código Morse. 
No Brasil, a primeira linha de telégrafo foi instalada na cidade do Rio de Janeiro em 1852, a pedido do imperador D. Pedro II, um entusiasta das novas tecnologias.  
O telegrama passou a ser uma alternativa à carta, que demorava dias para ser entregue.
A linguagem do telegrama era sintética, sem preposições, artigos e pontuação, para reduzir o custo da mensagem, entregue pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
As letras PT eram a abreviação de ponto (final). Não tinham (nem têm) qualquer ligação com o Partido dos Trabalhadores, que só foi fundado no Brasil em 1980.
A palavra "saudações" era um cumprimento  formal, equivalente a  "um abraço", "passar bem" etc. Com o tempo, "PT Saudações" passou a ser usada com o sentido de despedida.
Às vezes, quando uma conversa ficava alterada, era comum um dos interlocutores encerrar o assunto, usando essa expressão, numa demonstração de contrariedade, ou de desprezo pelo interlocutor. Ao mesmo tempo, encostava o dedo indicador na própria testa e apontava em direção ao outro, como se batesse continência. Depois, dava as costas e ia embora.
Hoje, quem pesquisa telegrama na internet só encontra o aplicativo Telegram, que não é o dos Correios, mas segue o mesmo conceito: mensagem rápida.
Em tempo: os Correios ainda oferecem o serviço de envio de telegramas, que pode ser escrito ou fonado.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Aos 9 anos, descobri Rita Lee com um coração no rosto. Desenhei um na mão, como me despeço hoje

Lídia Maria de Melo

Nem sei quantas vezes já contei esta história. Eu tinha 9 anos quando vi Rita Lee cantar nos Mutantes, grupo que formava com Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Era o festival de música da TV Record, de 1967. Eles acompanhavam Gilberto Gil, que defendia "Domingo no Parque". Rita aparecia fantasiada, tocando prato, e com um coraçãozinho desenhado no rosto. Toda ruiva. Toda linda. No dia seguinte, na escola, eu tatuei um coração na minha mão, usando canetas esferográficas vermelha e azul. Minha primeira transgressão. Nos anos 1980, bailamos ao som das canções que ela fez com Roberto de Carvalho. Em janeiro de 1995, tive o privilégio de vê-la cantar bem de perto, no maravilhoso show que ela fez antes dos Rolling Stones subirem ao palco no Estádio do Pacaembu. Miss Brasil 2000. Hoje, parece mentira que nossa Rainha do Rock se foi. Desenho de novo o coraçãozinho na mão, em sua homenagem. Com lágrimas nos olhos.
Anúncio da família
sobre a morte de Rita Lee