Lídia Maria de Melo
Em 1983, na disciplina de Estética, na Faculdade de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Católica de Santos (UniSantos), apresentei uma análise ampla do livro-reportagem A Sangue Frio, do norte-americano Truman Capote. A obra marcou época em 1965, seis anos após múltiplo homicídio cometido por uma dupla que tinha a intenção de se tornar milionária. Em 17 de abril de 2006, publiquei em meu antigo blog uma pequena análise do livro. Reproduzo abaixo:
A Sangue Frio, de Truman Capote, é o relato de um múltiplo crime ocorrido em 14 de novembro de 1959, na cidade de Holcomb, no Kansas (EUA), que teve como consequência o enforcamento de Perry Smith e Richard Hickock, os assassinos, em 1965.
Trata-se de uma reportagem em que o autor, valendo-se de um senso de observação permanentemente apurado, expõe a transcendência dos fatos, das pessoas e das coisas e envolve o leitor numa narrativa mesclada de descrições e dissertações.
No primeiro capítulo, Capote apresenta cada um dos membros da família Clutter, com seus hábitos e características: “Sempre seguro do que pretendia no mundo, o Sr. Clutter em grande parte o conseguira. Na mão esquerda, no que restara de um dedo mutilado por máquina, usava uma aliança de ouro, símbolo de um quarto de século de casamento com a pessoa com quem sonhava casar...” (p. 13).
Também prende a atenção do leitor pelos sentidos: “Situada ao fim de uma estreita e longa alameda de frondosos olmos chineses, a bela casa branca, ao centro de um amplo relvado de grama das bermudas, impressionava Holcomb./ Era um lugar que o povo gostava de mostrar. Quanto ao interior, ostentava manchas de tapetes de um castanho-avermelhado, quebrando alternadamente o brilho do chão encerado e rangente ; um imenso sofá moderno na sala de estar, coberto por um tecido encaracolado e entremeado de fios cintilantes de metal prateado; na copa uma banqueta forrada de plástico azul e branco” . ( p.16).
Para criar um clima de expectativa e suspense, próprio das narrativas de crimes, o autor alterna cenas do cotidiano da família Clutter com os preparativos da dupla para o assassinato, como se fossem tomadas cinematográficas.
E, ao descrever os lances da viagem dos criminosos, torna o leitor um passageiro do carro deles.
Exs.: “A pequena cidade de Holcomb está situada nas altas planícies de trigo do oeste de Kansas (...) A terra é plana e as paisagens assustadoramente vastas. Cavalos, manadas de gado, um amontoado branco de silos erguendo-se graciosos como templos gregos, são vistos pelo viajante, muito antes de a eles chegar” (p.9).
... “Depois de tomar um copo de leite e colocar um boné de lã, o Sr. Clutter saiu de maçã em punho para examinar a manhã. Era o tempo ideal para comer maçãs”(p. 18).
... “Assim como o Sr. Clutter, o rapaz sentado na lanchonete não tomava café. Preferia root beer.(...) Bebericando e fumando, estudava um mapa aberto à sua frente, no balcão (um mapa Phillips 66 do México), mas era difícil concentrar-se, pois esperava um amigo e o amigo estava atrasado” (p. 22).
O clímax é atingido com a narração, recheada de descrições, dos últimos atos dos personagens antes do crime: “O quarto de Nancy era o menor de todos, e também o de mais personalidade: um quarto de menina, claro e engomado como um saiote de bailarina...” (p.72).
Anotações no diário: “Jolene K. apareceu e eu mostrei como é que se faz torta de cereja. Ensaiei com Roxie. Bobby esteve aqui e vimos TV. Foi embora às 11 horas” (p.74).
Os assassinos: “_ É aqui, é aqui, tem que ser aqui, tá ali a escola, a garagem, agora a gente pega o sul” (p.74).
Até que o crime se concretize, Capote é um narrador onisciente (aquele que conhece todos os acontecimentos, até mesmo os pensamentos dos personagens).
A partir daí, o leitor toma conhecimento das cenas monstruosas protagonizadas por Perry Smith e Richard Hickock, por meio das confissões dos próprios assassinos, já que o autor lança mão do discurso direto, e torna-se testemunha das confissões e do caráter controvertido da dupla.
“_ Tem ele. Ela. O garoto. A garota. Talvez até os outros dois.
Mas é sábado. Talvez tenham hóspedes. Oito digamos. Talvez até doze. A única coisa certa é que todos têm que ‘empacotar’.
_ Não é como te prometi, queridinho, miolo por tudo quanto é parede?
_ Cem metros de fio: o bastante para doze pessoas”
“_ Acendi as luzes (...). Vi uma caixa de papelão enorme na parede. Uma caixa de colchão. Achei que não devia pedir que ele se deitasse no chão frio; então arrastei a caixa achatei-a e falei para que se deitasse”.
Para obter o resultado que esperava, ou seja, a composição de um romance-reportagem, o autor utiliza técnicas estruturais literárias, conjugando-as com as jornalísticas.
Com isso, abre a possibilidade de novas abordagens estéticas no jornalismo.
Com o tema, Capote levanta polêmica sobre a pena de morte, as leis em vigor no Kansas e o resultado e a eficácia de exames psicológicos requisitados pela Justiça.
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