domingo, 30 de maio de 2010

Há anos, lecionei na escolinha de pedra do Monte Cabrão

Lídia Maria de Melo
(Clique nas imagens para ampliar)


Escrevi um depoimento no jornal A Tribuna sobre o tempo em que dei aula na escolinha isolada do Monte Cabrão, no início de minha vida de professora, aos 19 anos.
A reportagem foi feita pelo César Miranda, que acabou entrevistando uma aluna minha. As fotos, pelo Walter Mello. Eu fiz a edição. A diagramação ficou por conta do José Carlos Limeres e da Fernanda Leomil.
Quando a matéria saiu publicada, recebi um e-mail de um leitor contando que a mulher dele ficou emocionada ao ler meu relato. Ela lecionou na mesma escolinha isolada, nas mesmas condições, 16 anos antes de mim.

Para ler a reportagem e meu depoimento, clique nas imagens acima. Se preferir, reproduzo, abaixo, o depoimento.
Monte Cabrão é um bairro da área continental de Santos. Fica mais perto de Guarujá e de Bertioga. Ali, parece que o tempo parou.

Depoimento  de Lídia Maria de Melo
(Editora-coordenadora de Baixada Santista)

"Lecionei na casa de pedra"

Fui professora no Monte Cabrão em 1977, aos 19 anos. A escola funcionava em uma casinha de pedra. Tinha apenas uma sala, um banheiro e uma minúscula cozinha. Chamava-se Escola Isolada do Monte Cabrão e era vinculada ao colégio estadual da Base Aérea, a E. E. Marechal do Ar Eduardo Gomes.
O ônibus procedente de Guarujá me deixava na então Rodovia Piaçaguera, após a ponte alta, à direita, e seguia para Cubatão. A casinha de pedra situava-se à esquerda. Eu passava por um caminho de terra embaixo da ponte, contornando o mangue.
Ali, quando trovejava, os caranguejos eram alvos fáceis dos catadores. E eu era alvo de mosquito-pólvora e borrachudo. Precisava usar repelente. Mesmo assim, eles picavam meus lábios, que inchavam.
Eu lecionava no período da tarde. Havia quatro fileiras de carteiras na pequena e única sala de aula. Cada fileira abrigava uma série, da 1ª à 4ª. Todas no mesmo horário. Eu precisava preparar atividades diferenciadas, para poder, ao mesmo tempo, dar atenção a todos e me revezar entre as turmas.
O lugar parecia um sítio. Passarinhos cantavam nas inúmeras árvores frondosas. Em seus galhos, a criançada armava balancê de corda na hora do recreio.
As crianças vinham do outro lado da ponte, do próprio Monte Cabrão, do Caruara, do Caiubura e de locais de que nem me lembro. Com frequência me presenteavam com frutas, como banana-da-terra.
A área era protegida por um funcionário da Companhia Docas, que morava em uma casa amarelada no alto de um monte. Sua mulher, dona Cilene, preparava a merenda enviada pela Prefeitura de Santos.
Uma vez, com a professora da manhã, fizemos uma visita à Usina de Itatinga. Um rebocador nos pegou no portinho e seguimos pelo Canal de Bertioga, nos deslumbrando com a beleza daquela região. Em outra ocasião, formei um coral com os alunos e cantamos em uma missa celebrada numa indústria situada na Piaçaguera.
Não me recordo do nome de todos. Havia a Lucilene, apelidada de Lelê, que tinha cabelo louro e olhos claros; o Edson, franzino e esperto; e Valdeci. Toda vez que eu dizia: "Que calor!", Valdeci respondia: "Vou nadar!", repetindo a frase de um texto do livro de Português.
Um outro menino, de 7 anos, cuja fisionomia ainda é viva em minha memória, um dia me surpreendeu. Na hora da leitura da cartilha, em minha mesa, não titubeou diante do texto. Eu lhe perguntei: "Com quem você aprendeu a ler?" Admirado, ele foi rápido na resposta: "Com a senhora, professora!".
Foi ali, no Monte Cabrão, que descobri a importância da minha primeira profissão.

4 comentários:

  1. Li seu depoimento de professora, Lídia, e lamento já ter escrito, há anos, uma novela inédita, ambientada no interior. Eu teria desenhado a professora com os seus traços...
    Grande abraço.

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  2. Lídia, bom dia.
    Como é bom saber que ainda tem repórter com capacidade para contar histórias de gente simples. E de fotógrafo com sensibilidade para retratar essa gente. E de Editora (assim mesmo, com E) para editar as histórias dessa gente simples.
    Parabéns ao César Miranda (com quem tive uma longa e decisiva conversa nos meus tempos de Editor-Executivo d'A Tribuna), ao Waltinho, aos diagramadores e, claro, a você, minha Editora preferida (risos).
    Cláudio Amaral

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  3. Obrigada, Cláudio. Por mim e pela equipe.

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