De vez em quando, mensagens com falsas informações circulam pelos e-mails dos internautas. A maioria acredita nessas falácias e as retransmite, ajudando, sem querer, a denegrir a reputação de alguém.
Há uns anos, recebi uma dessas mensagens, com supostas informações sobre a ministra Dilma Rousseff e responsabilizando-a pela morte do soldado Mário Kosel Filho em 1968. Em fevereiro, o mesmo texto chegou à minha caixa de entrada, enviado por uma conhecida, que gostaria de saber se o teor era verdadeiro. Na sexta-feira, uma outra pessoa fez o mesmo.
Às duas, dei a seguinte resposta:
Esse assunto é um pouco complexo, já que a História recente do Brasil é desconhecida da maior parte da população. Dilma Rousseff realmente foi uma militante de esquerda que combateu a ditadura militar. Esse regime durou 21 anos e tirou os direitos civis da população. Além disso, prendeu, torturou, matou brasileiros. Deixou de observar a legalidade.
Muitos, como o ex-deputado santista Rubens Paiva, pai do jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva (autor do livro Feliz Ano Velho), ainda hoje estão desaparecidos. O corpo de Rubens Paiva nunca foi localizado, embora ele tenha sido levado de casa pelo Exército.
Meu pai também foi preso político. Minha família foi perseguida pela ditadura militar. E posso assegurar que ele jamais cometeu qualquer crime. Foi preso porque era um sindicalista e reivindicava melhorias para sua categoria, a exemplo do que muita gente fez e faz após a ditadura. Isso não é crime, mas para os militares era. Essa História eu relato no meu livro Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós.
Raul Soares foi um navio utilizado como presídio político aqui no Porto de Santos, em 1964. Eu cheguei a ir visitar meu pai nesse navio, quando tinha 6 anos de idade. Minha irmã caçula era um bebê e a mais velha, já falecida, tinha 8 anos de idade. Minha mãe era uma jovem de 26 anos, três filhas e um marido preso, perseguido pela ditadura militar.
Ele foi processado e teve os direitos políticos cassados por dez anos. As perseguições duraram anos e anos. As marcas ficaram para sempre.
Relato tudo isso, porque não é possível responder à questão, sobre quem é Dilma Rousseff, sem antes contextualizar.
É muito comum, em época de eleição, surgirem acusações para denegrir a imagem dos candidatos e confundir a população. Felizmente, meu pai nos deixou esse legado. O de desconfiar sempre das primeiras informações que surgem. Por isso, sou uma jornalista. E, como tal, desconfio sempre. Nunca acredito na primeira versão que ouço ou leio de fatos.
Episódios de morte ocorreram, sim, durante o combate à ditadura. Não concordo com isso. Mas como poderíamos acusar, por exemplo, um prisioneiro de um campo de concentração se, na tentativa de fuga, matasse um soldado nazista a serviço da idelogia de Hitler?
Os crimes cometidos pelos oposicionistas já foram punidos de um modo ou de outro. Ou eles foram processados e condenados, ou foram mortos pelos órgãos de repressão. Já os crimes cometidos pelos governos militares até hoje estão impunes.
Veja o exemplo da Argentina e do Chile. A Argentina já julgou todos os seus presidentes militares que, durante a ditadura naquele país, mataram milhares de pessoas. A presidente Cristina Kirschner autorizou a abertura dos documentos que podem esclarecer milhares de crimes cometidos pelo regime militar. O Chile já está julgando os ditadores e abrindo documentos.
No Brasil, quando se fala em abrir documentos dos governos militares (Castelo Branco,Costa e Silva, Geisel, Médici, Figueiredo) acontece uma reação ferroz contrária.
As alas direitistas, que apoiaram o golpe militar (que eles chamam de revolução) e os crimes ocorridos naquele período contra brasileiros), aparecem com esse tipo de acusação.
Uma vida é sempre uma vida. Mas eles mataram muita gente, torturaram muita gente, acabaram com a vida de muita gente. A maioria não fez senão contestar as ações deles. Eles ignoraram as leis.
O problema é que quase ninguém sabia, a não ser quem estava envolvido. Usaram as campanhas ufanistas e as falácias para enganar o povo, que até hoje não conhece a História recente do Brasil.
Mas vamos à resposta da pergunta. Essa ficha da Dilma é falsa. Quando ela começou a ser divulgada, até a Folha de S. Paulo publicou e depois teve que se retratar. Leia o texto publicado pelo colega jornalista Celso Lungaretti, que ''comeu o pão que o diabo amassou'' nas mãos dos agentes da ditadura: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/07/ficha-falsa-da-dilma-ombudsman-critica.html
Dilma Roussef realmente foi militante de esquerda, mas não matou ninguém. As mulheres que participaram da ação que, acidentalmente, matou o soldado Mário Kosel Filho foram: Dulce de Souza Maia (irmã do publicitário Carlito Maia, que acabou sendo exilada do país) e Renata Ferraz Guerra de Andrade (na época, estudante da USP que foi presa e torturada por ter feito uma pichação contra o regime militar).
Hoje, deveríamos agradecer a essas pessoas que combateram o regime militar, porque do contrário não poderíamos nem trocar e-mails com o teor deste. Por qualquer crítica ao governo, dita mesmo informalmente, corria-se o risco de ser preso, torturado e morto, sob a acusação de subversão.
Hoje, podemos criticar o presidente da República sem sofrer qualquer punição. Podemos expressar nossas ideias. Durante o período militar, isso seria um crime contra a segurança nacional que poderia custar a nossa vida.
É preciso deixar claro que essa campanha contra Dilma Rousseff é mais uma artimanha. Essa ficha da Dilma é falsa. Ela foi mesmo militante política de esquerda que combateu a ditadura. Mas não estava envolvida na morte daquele soldado, tampouco com sequestro de embaixadores.
Fora do contexto, todas aquelas ações parecem absurdas, mas tenho a convicção de que foram atos de coragem. Uns gatos pingados enfrentaram uma ditadura comandada pelas Forças Armadas. Parecia a luta de Davi contra Golias.
Sobre as mortes, eu sempre lamentarei todas elas, tanto de pessoas de direita quanto de esquerda. Na verdade, sou contra qualquer tipo de ditadura. Sou a favor da democracia. E da verdade.
Para sempre, repetirei a frase do escritor argentino Ernesto Sábado: ''Não há ditaduras boas e outras maléficas. Todas são igualmente abomináveis''.
P.S.: A única mulher que participou do sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Elbrick, em 4 de setembro de 1969, chamava-se Vera Sílvia Magalhães. Economista, ela morreu de câncer em 2007, em sua casa, no Rio de Janeiro. O sequestro foi um ato contra a ditadura militar e uma forma de pressionar o governo a libertar presos políticos que estavam sendo torturados em prisões.
Leia também o post 'Ditadura militar', clicando aqui.
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segunda-feira, 8 de março de 2010
E-mail veicula falsa informação
sobre a ministra Dilma Rousseff
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Cara Maria Lídia,
ResponderExcluirrecebi o mesmo e-mail, e mais, adicionado com declarações raivosas contra a terrorista, que foi contra a revolução e tal.
Como se não houvesse terrorismo de Estado na época em que a Dilma era militante de facções guerrilheiras, ou de esquerda, ou como queiram chamar tais organizações.
Parece, que daqui pra frente, a internet será o campo preferido para dos covardes e difamadores. Tanto de cá, como de lá.
Abraço
Eugênio Martins Júnior
A reação a qualquer tentativa de resgate da história acontece porque o golpe dado em 1964 foi civil. Os militares foram o instrumento mais adequado à época. E os golpistas e seus herdeiros ainda hoje ditam regras país afora, vide, por exemplo, o jornal que publicou a tal ficha falsa de Dilma Rousseff.
ResponderExcluirPrepare a caixa postal virtual, Lidia. Pelo menos até outubro, vai chover mensagem desse tipo...
Olá, Lídia. Nâo sou eleitor da Dilma, mas concordo que há muitas calúnias a respeito dela correndo por aí. Comovente a história do seu pai. Excelente texto, como sempre. Parabéns.
ResponderExcluirPrezada Lídia,
ResponderExcluirCom todo respeito, afirmar que a morte do soldado Kozel foi "acidental" é uma forma pouco correta de amenizar um atentado sangrento que ceifou a vida de um jovem de 18 anos.
Marcelo Augusto, toda e qualquer morte, por assassinato, é lamentável, inclusive a do soldado Kozel. O que eu quis dizer é que os integrantes da organização que combatia a ditadura e promoveu aquela ação não saíram de casa planejando matar especificamente aquele jovem. Já o Estado brasileiro, na época representado por organizações militares e paramilitares, torturaram, mataram e desapareceram com os corpos de muitos deliberadamente.
ResponderExcluirAlém disso, as ações armadas de uns poucos grupos militantes de esquerda ocorreram anos depois do golpe militar de 1º de abril de 1964. Nessa data, foi derrubado um governo legitimamente eleito pelo povo brasileiro. E a alegação de que João Goulart queria implantar uma ditadura de esquerda no Brasil parece sem sustentação, já que ele não ofereceu qualquer resistência ao golpe dos militares. De todo modo, reafirmo: qualquer morte nessas condições é injusta. Os militantes que participaram desse ato foram presos, torturados e exilados. Já os que mataram e torturaram, em nome do Estado, nunca pagaram por seus crimes. Este espaço é pequeno para um debate desses.Pena você não ter postado seu e-mail. Um abraço, em nome da democracia e do respeito à vida humana.