domingo, 24 de abril de 2016

Para que nunca mais aconteça

Hoje, completam-se 52 anos da chegada do navio Raul Soares ao Porto de Santos, para servir de presídio político da ditadura militar. 
Quem acompanha o que costumo escrever sabe que meu pai foi um dos presos dessa embarcação, que conheci por dentro aos 6 anos de idade. 
Hoje, não escrevi sobre esse fato. Preferi alertar para o recrudescimento das ideias ditatoriais em nosso País. 
O artigo de minha autoria e intitulado "Para que nunca mais aconteça" está no jornal A Tribuna, de Santos, edição de hoje, na seção Tribuna Livre (página A-2), conforme imagem ao lado e reprodução de texto abaixo:

Para que nunca mais aconteça


Lídia Maria de Melo.
 Jornalista, professora do curso de Jornalismo e membro do Grupo de Pesquisa Grupo de Direitos Humanos e Vulnerabilidade da UniSantos e autora do livro "Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós".

É difícil imaginar que, na face da Terra, milhares de seres humanos, em idade de entendimento, não saibam o que ocorreu na Europa durante a Segunda Grande Guerra por iniciativa do regime nazista, sob o comando de Hitler. É público e notório o extermínio de judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, comunistas, testemunhas de Jeová, pessoas com deficiência física e mental. O conhecimento generalizado dessa barbárie só está consolidado, porque os judeus não permitem que o mundo se esqueça.
A Alemanha, berço do nazismo, determinou  no pós-guerra o estudo  do passado, para que aqueles atos nunca mais voltem a se repetir.
Na África do Sul, por 46 anos, prevaleceu o regime segregacionista Apartheid. Quando Nelson Mandela deixou a prisão, após quase três décadas, tornou-se presidente. Para reconstruir o país, instituiu um governo de coalizão. Porém, criou uma Comissão de Verdade e Reconciliação, que poderia perdoar torturadores, desde que eles confessassem seus crimes e pedissem desculpas públicas às vítimas.
A Argentina, que enfrentou sete anos de ditadura, conviveu com a morte e o desaparecimento de 30 mil pessoas. A população conhece detalhes dessa trágica história de crimes que violam todos os preceitos humanitários.
O Brasil viveu 21 anos em regime ditatorial. Nesse período, o Congresso foi fechado, a Constituição de 1946 foi rasgada, 17 atos institucionais suprimiram direitos civis. As eleições e o habeas corpus acabaram suspensos. Ter um objeto vermelho poderia ser prova de subversão. Não era preciso antecedente criminal ou engajamento político para justificar prisão arbitrária.
Todo preso político era julgado pela Justiça Militar. Os processos se arrastavam por anos, antes da indefectível absolvição por falta de provas. Milhares de civis e militares foram presos, sem culpa formada. Quem ousou enfrentar as Forças Armadas foi classificado como terrorista. Todos sofreram punições: prisão, interrogatório, demissão, processo, tortura, exílio, cassação, morte ou até desaparecimento. Nem a Lei de Anistia, de agosto de 1979, compensou as perdas.  Marcas fincadas na alma jamais se apagam.
Quem, em nome do Estado, prendeu ilegalmente, torturou, matou, escondeu corpos, até hoje não encontrados, também foi anistiado, sem punição.
Toda essa História está documentada. O Projeto Brasil Nunca Mais, por exemplo, é composto por material recolhido nos processos que tramitaram na Justiça Militar. O relatório da Comissão Nacional da Verdade está na internet.
Com tanto material à disposição, por que milhares de brasileiros, regidos por um ordenamento jurídico que classifica a tortura como crime de lesa-humanidade, são capazes de apoiar a homenagem do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) na Câmara dos Deputados? Alcunhado de Doutor Tibiriçá, o coronel foi o primeiro agente da ditadura a ser reconhecido pela Justiça, em 2008, como torturador. Ele não poupava homens, mulheres ou crianças.
Exceto os que convictamente defendem a ideologia da tortura, quem idolatra Brilhante Ustra e Bolsonaro não sabe o que aconteceu. Alimenta-se de boatos.
No Brasil, o assunto não é aprofundado. O País falhou, não seguindo o exemplo dos  judeus, da Alemanha, África do Sul e Argentina. Há iniciativas isoladas, mas, de modo geral, a ditadura militar é abordada superficialmente.  Se quisermos evitar a repetição dessa História, precisamos estudar de fato esse assunto. Para que nunca mais aconteça.  


Um comentário:

  1. Parabéns Lidia ! Fuco perplexa como o brasileiro é mal informado ou não quer saber das barbáries da segunda guerra e da ditadura militar, só nos resta lutar sempre contra !

    ResponderExcluir

Obrigada pelo comentário. Assim que for lido, será publicado.
Volte mais vezes. Se desejar resposta individual, deixe seu e-mail.
De todo modo, identifique-se, para facilitar o direcionamento da resposta.