domingo, 19 de maio de 2013

Currículo Lattes exige preenchimento de "cor ou raça". Como saber em um país tão miscigenado?

Atualizei meu currículo na Plataforma Lattes do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento  Científico e Tecnológico, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). A Plataforma Lattes, que tem esse nome em homenagem ao eminente físico César Lattes, é um sistema de informações que integra dados de currículos, grupos de pesquisas e instituições.
Assim que abri o link de atualização, tive uma surpresa: um aviso indicou um novo campo de preenchimento obrigatório: "cor ou raça". Senti um incômodo semelhante ao que experimentei durante o Censo de 2010, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) me obrigou a escolher uma destas cinco opções: branca, preta, indígena, amarela, parda. Não havia a alternativa de não declarar, o que seria mais democrático.
No Currículo Lattes, ao menos o CNPq respeitou o ponto de vista de quem, como eu, não simpatiza com a segregação das pessoas em guetos. Para esses, deu como alternativa a possibilidade de assinalar a opção "Não desejo declarar".
Foi o que fiz. Afinal, como posso optar por uma das outras alternativas, se nasci em um País tão miscigenado quanto o Brasil e se em minhas veias corre sangue herdado de ascendentes, certamente, portugueses, espanhóis, africanos e indígenas?
Minha raça é a humana e acredito piamente que a separação de pessoas em função de suas origens pode nos levar de novo a conflitos e confrontos semelhantes aos que ocorreram na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial; nos Estados Unidos, devido à segregação sustentada por lei, dos anos 1880 até o final da década de 1960; na África do Sul, onde o apartheid vigorou de 1947 até 1990.
Sei que esta minha posição vai causar contestações, já que a obrigatoriedade instituída pelo CNPq é baseada no que dispõe a Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial).
Respeito as opiniões divergentes, mas não desejo ver o Estado Brasileiro institucionalizar a discriminação de cidadãos por raças, em clara imitação de ações arcaicas adotadas por países como os Estados Unidos. A classificação obrigatória me remete aos critérios eugenistas, nazistas, escravocratas.
Este modo de pensar não é exclusividade minha. Pesquisando na internet, encontrei muitas pessoas que têm o mesmo ponto de vista. Entre elas, está o cientista Sérgio Danilo Pena, que no artigo "O DNA do racismo", publicado na revista Ciência Hoje (11 de julho de 2008), escreveu: "O genial poeta Chico Buarque de Holanda sugere na canção 'Apesar de você': 'Você que inventou a tristeza,/ Ora, tenha a fineza/ De desinventar...' Parafraseando-o, podemos dizer que, se a cultura ocidental inventou o racismo e as raças, temos, agora, o dever de desinventá-los!". 
Já está mais do que na hora de o Brasil parar de importar políticas ou ações que podem ser interessantes para outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, mas que não condizem com o modo de vida brasileiro.
Nós somos capazes de criar e adotar nossas próprias soluções, para os nossos próprios problemas. Só assim faremos do Brasil um país ainda maior e melhor do que é.
Não será com a separação do povo por guetos que chegaremos lá.
Se acaso isso não for possível, espero que prevaleça o estado democrático de direito. Nele, cada cidadão deve poder escolher se deseja, ou não, se identificar como integrante de um grupo classificado apenas pela cor da pele. Eu não desejo.
Sempre que me perguntarem qual a minha raça, responderei: humana!

Um comentário:

  1. Só poderia mesmo partir de uma pessoa lúcida e inteligente como você essa argumentação sólida contra a tentativa clara de "dividir" o povo brasileiro e classificá-lo como gado bovino.

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