quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Um adeus atrasado para Zuleika Alambert

Um minuto de silêncio e todo o resto de palavras por Zuleika Alambert, a primeira mulher santista que se tornou deputada estadual. Foi a segunda na História do Estado a conquistar uma cadeira na Assembleia Legislativa. Pelo voto, derrotou homens acostumados a esse universo.
A notícia chegou tarde. Só no domingo é que descobri. Zuleika despediu-se para sempre em tempos de festas. Entre o Natal e o Ano-novo. Em 27 de dezembro. Não ouvi comentário, não li, não recebi o aviso. Nem abri o jornal naquele dia. Aos 90 anos, ela se foi de mansinho, de um jeito que não era o seu durante a vida.
Eu e Zuleika Alambert no jornal A Tribuna em 4 de maio de 2005
Entrevistei-a no ano de 2005 e publiquei reportagem no jornal A Tribuna no dia 11 de março. O texto e as imagens estão reproduzidas no site Novo Milênio. Ainda me lembro de como fiz a entrevista. Telefonei de minha casa e não, da Redação. Coloquei o telefone no viva-voz e gravei. A ligação caiu. Fiz um novo contato e mantivemos uma conversa não muito longa. Embora fosse santista, morava no Rio de Janeiro desde que voltara do exílio. "Eu já estava enraizada no mundo", ela me justificou na entrevista concedida em 2005. Parte de sua família se mantém em Santos. Por isso, entrevistei um de seus irmãos.
Em 4 de maio de 2005, ela recebeu homenagem da Câmara Municipal de Santos e passou na Redação do jornal A Tribuna. Acabamos nos conhecendo pessoalmente e fomos fotografadas juntas na sala do editor-chefe (foto acima). Infelizmente, não tenho certeza do nome do fotógrafo. Uma vaga lembrança me traz à mente o colega Alberto Marques. Talvez tenha sido ele. No dia seguinte ao de sua morte, um equívoco fez o jornal A Tribuna registrar a foto como sendo de 11 de março de 2005, data da publicação de minha matéria.
Em 7 de novembro de 2011, publiquei de novo no jornal A Tribuna o comentário intitulado Uma mulher apaixonada por política, que está reproduzido aqui no blog (clique no link marrom ou leia a transcrição abaixo).
Zuleika Alambert não deixou filhos. Seu legado é histórico e de outra natureza.
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(Reproduzido do jornal A Tribuna - 7/11/2011 - página A-7)

Comentário
DE LÍDIA MARIA DE MELO

Uma mulher apaixonada por política          

    Entrevistei  Zuleika  Alambert em 2005.  A reportagem foi publicada em A Tribuna no dia 11 de março daquele ano.  Na abertura do texto, incluí uma frase dela que sintetiza a força motriz de sua trajetória: “Eu não admitia ser igual às outras moças de minha época”.
    Zuleika estava com 82 anos, tinha o cabelo tingido de amêndoa e se embrenhava no universo da Física Quântica. Tudo combinava com sua biografia.
    Ela nasceu em 1922, o mesmo ano em que a geração modernista abalou as estruturas das artes brasileiras. Sua terra natal? Santos, uma cidade à beira do Atlântico, aberta às vanguardas culturais e políticas. Sob essa égide, ela não poderia mesmo cumprir a sina das mulheres de sua geração.
    Aos 12 anos, já escrevia para jornais. Na escola, dividiu bancos com Cleide Yáconis e Cacilda Becker, que não tardaram a despontar nas artes dramáticas. Tornou-se amiga de Miroel Silveira, mais tarde um respeitado jornalista e diretor teatral.
    Zuleika até encenou peças, mas não queria interpretar para sempre. Tinha atração pela política. Mas essa área era, e ainda é, mais povoada por homens. Sem problemas. Ela foi atrás de seu sonho. “Eu nasci para ser política".
    E tinha razão. Antes de completar 23 anos, em 1945, ajudou o estivador Oswaldo Pacheco da Silva a se eleger deputado federal constituinte pelo PCB. Em 1946, apoiou os estivadores no boicote aos navios espanhóis, em protesto contra a ditadura de Franco.
    Desse movimento, também participou o então presidente do Sindicato da Administração Portuária, Leonardo Roitman. Mas ela levou vantagem. Venceu-o na disputa por uma cadeira na Assembleia Legislativa pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com o apoio da estiva, obteve 4.043 votos e ele, 2.122.
    Tornou-se a primeira mulher da Baixada Santista e a segunda no estado de São Paulo a ser deputada estadual. Apesar dessa conquista, da prisão, do exílio durante a ditadura militar e dos livros que escreveu, sua história caiu no esquecimento entre as gerações santistas posteriores. Principalmente, porque se fixou no Rio de Janeiro quando retornou ao Brasil em 1979.
    Em 2005, A Câmara de Santos decidiu homenageá-la. Como editora, fiz questão de entrevistá-la. Conversamos por telefone em 6 e 8 de março de 2005. Também ouvi seu irmão Paulo Alambert. O resultado foi uma página de informações valiosas que são muito consultadas e estão disponíveis em meu blog (http://lidiamariademelo.blogspot.com).
    Em 4 de maio de 2005, quando a homenagem da Câmara se consolidou, Zuleika veio a Santos e visitou A Tribuna. Enfim, nos conhecemos. Além de Física Quântica e questões sociais, interessava-se por meio ambiente. E rejeitava o rótulo de feminista. “As mulheres devem fazer parte e não, estar à parte”, disse ela, que se casou duas vezes, mas não teve filhos.
    Zuleika Alambert me fez reforçar o alerta que costumo repetir, quando ressalto a importância dos feitos de gerações passadas: “O mundo não começou quando nós nascemos”. Antes de nós, alguém abriu caminho.
  * LÍDIA MARIA DE MELO, jornalista, professora universitária e escritora
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