sábado, 26 de novembro de 2011

A Sangue Frio, uma pequena análise do
livro-reportagem de Truman Capote

                                                                  Lídia Maria de Melo


Em 1983, na disciplina de Estética, na Faculdade de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Católica de Santos (UniSantos), apresentei uma análise ampla do livro-reportagem A Sangue Frio, do norte-americano Truman Capote. A obra marcou época em 1965, seis anos após múltiplo homicídio cometido por uma dupla que tinha a intenção de se tornar milionária. Em 17 de abril de 2006, publiquei em meu antigo blog uma pequena análise do livro. Reproduzo abaixo:

A Sangue Frio, de Truman Capote, é o relato de um múltiplo crime ocorrido em 14 de novembro de 1959, na cidade de Holcomb, no Kansas (EUA), que teve como consequência o enforcamento de Perry Smith e Richard Hickock, os assassinos, em 1965.
Trata-se de uma reportagem em que o autor, valendo-se de um senso de observação permanentemente apurado, expõe a transcendência dos fatos, das pessoas e das coisas e envolve o leitor numa narrativa mesclada de descrições e dissertações.
No primeiro capítulo, Capote apresenta cada um dos membros da família Clutter, com seus hábitos e características: “Sempre seguro do que pretendia no mundo, o Sr. Clutter em grande parte o conseguira. Na mão esquerda, no que restara de um dedo mutilado por máquina, usava uma aliança de ouro, símbolo de um quarto de século de casamento com a pessoa com quem sonhava casar...” (p. 13).
Também prende a atenção do leitor pelos sentidos: “Situada ao fim de uma estreita e longa alameda de frondosos olmos chineses, a bela casa branca, ao centro de um amplo relvado de grama das bermudas, impressionava Holcomb./ Era um lugar que o povo gostava de mostrar. Quanto ao interior, ostentava manchas de tapetes de um castanho-avermelhado, quebrando alternadamente o brilho do chão encerado e rangente ; um imenso sofá moderno na sala de estar, coberto por um tecido encaracolado e entremeado de fios cintilantes de metal prateado; na copa uma banqueta forrada de plástico azul e branco” . ( p.16).
Para criar um clima de expectativa e suspense, próprio das narrativas de crimes, o autor alterna cenas do cotidiano da família Clutter com os preparativos da dupla para o assassinato, como se fossem tomadas cinematográficas.
E, ao descrever os lances da viagem dos criminosos, torna o leitor um passageiro do carro deles.
Exs.: “A pequena cidade de Holcomb está situada nas altas planícies de trigo do oeste de Kansas (...) A terra é plana e as paisagens assustadoramente vastas. Cavalos, manadas de gado, um amontoado branco de silos erguendo-se graciosos como templos gregos, são vistos pelo viajante, muito antes de a eles chegar” (p.9).
... “Depois de tomar um copo de leite e colocar um boné de lã, o Sr. Clutter saiu de maçã em punho para examinar a manhã. Era o tempo ideal para comer maçãs”(p. 18).
... “Assim como o Sr. Clutter, o rapaz sentado na lanchonete não tomava café. Preferia root beer.(...) Bebericando e fumando, estudava um mapa aberto à sua frente, no balcão (um mapa Phillips 66 do México), mas era difícil concentrar-se, pois esperava um amigo e o amigo estava atrasado” (p. 22).
O clímax é atingido com a narração, recheada de descrições, dos últimos atos dos personagens antes do crime: “O quarto de Nancy era o menor de todos, e também o de mais personalidade: um quarto de menina, claro e engomado como um saiote de bailarina...” (p.72).
Anotações no diário: “Jolene K. apareceu e eu mostrei como é que se faz torta de cereja. Ensaiei com Roxie. Bobby esteve aqui e vimos TV. Foi embora às 11 horas” (p.74).
Os assassinos: “_ É aqui, é aqui, tem que ser aqui, tá ali a escola, a garagem, agora a gente pega o sul” (p.74).
Até que o crime se concretize, Capote é um narrador onisciente (aquele que conhece todos os acontecimentos, até mesmo os pensamentos dos personagens).
A partir daí, o leitor toma conhecimento das cenas monstruosas protagonizadas por Perry Smith e Richard Hickock, por meio das confissões dos próprios assassinos, já que o autor lança mão do discurso direto, e torna-se testemunha das confissões e do caráter controvertido da dupla.
“_ Tem ele. Ela. O garoto. A garota. Talvez até os outros dois.
Mas é sábado. Talvez tenham hóspedes. Oito digamos. Talvez até doze. A única coisa certa é que todos têm que ‘empacotar’.
_ Não é como te prometi, queridinho, miolo por tudo quanto é parede?
_ Cem metros de fio: o bastante para doze pessoas”
“_ Acendi as luzes (...). Vi uma caixa de papelão enorme na parede. Uma caixa de colchão. Achei que não devia pedir que ele se deitasse no chão frio; então arrastei a caixa achatei-a e falei para que se deitasse”.
Para obter o resultado que esperava, ou seja, a composição de um romance-reportagem, o autor utiliza técnicas estruturais literárias, conjugando-as com as jornalísticas.
Com isso, abre a possibilidade de novas abordagens estéticas no jornalismo.
Com o tema, Capote levanta polêmica sobre a pena de morte, as leis em vigor no Kansas e o resultado e a eficácia de exames psicológicos requisitados pela Justiça.

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