Clique na imagem para ampliar |
Tua casa. Teu perfil
(Lídia Maria de Melo)
Num cochilo do porteiro,
roubo a chave do quadro,
pé ante pé sorrateiro,
galgo o terceiro andar.
Um giro na fechadura,
um outro, na maçaneta,
correr de olhos ligeiros:
o teu mundo se revela.
Na gravura de Ouro Preto,
o mistério de teus gestos,
a elegância de teu porte,
requinte de beija-flor.
A mistura de estilos
deslizando pelos cantos,
entre versos de Pessoa
e enredos de Piñon.
Prato inglês de porcelana,
tons de branco e marrom.
Chapéu de corte exótico
sombreando teu olhar
siamês. E o sorriso
bronzeado no retrato.
Moldura de madrepérola
no piano. A janela.
Surpreendo a pulseira,
jade e prata, displicente,
sobre a mesa de madeira
brilhando cera jasmim.
Os teus modos sacrossantos,
face e cabelo ciganos
estampados na escultura,
mulher de pedra-sabão.
O videocassete preto
guardando Cármen, de Saura.
Recostado na estante
o Bolero, de Ravel.
Nunca te vi dançar
tango, lambada ou tuíste,
mas a cozinha me mostra
teu bailado, teu tempero.
O teu cheiro no banheiro,
xampu, perfume indiano,
a bota de couro cru
no tapete macramê.
A cortina entreaberta,
o vestido de flanela,
a cadeira de balanço,
almofadas pelo chão.
Um mosaico de segredos
nos teus passos de gazela,
nos detalhes, nas paredes,
tua cara, teu perfil.
Pelas frestas entram raios,
arco-íris, tons vermelhos.
Teus desejos espalhados
num pedaço de espelho.
(Santos - 24/4/1990)
Puxa vida, que força e que vida nestes versos. Vi e senti tudo guiado pela tua mão, Lídia. Belo.
ResponderExcluirVocê é fantástica e escreve fantasticamente! bjo e saudades... (vc faz falta!)
ResponderExcluir